quarta-feira, agosto 24, 2011

Aceitação incondicional

Este é o texto que concorreu no Concurso Cultural da Semana da Família daqui da minha cidade. Eu estava devendo pra vocês, mas agora cumpri o combinado. Desculpem a demora. 
Eu soube do resultado do Concurso ontem, e [*tambores*] não ganhei. A redação vencedora foi de uma menina da minha antiga escola, ela escreveu a história de vida dela, e apesar de eu não ver nada demais um texto-biográfico, ela venceu. Eu dei o meu melhor, e creio que seja isso o importante. Ser selecionada dentro de uma escola com o porte da minha já foi uma vitória bem grande. Aliás, ninguém da minha escola venceu nessa categoria. O pódio ficou com as três meninas da minha antiga escola. Enfim, aqui está, e peço perdão pela demora [apesar de eu saber que ninguém se importa.]
Muitos beijos. Raíssa Tayná Klasman


O telefone tocou. Aquele som agudo que vinha do pequeno aparelho fez o pelo dos meus braços se eriçarem.  Quase não recebíamos chamadas, muito menos no telefone fixo. Geralmente, as poucas chamadas que recebíamos eram originárias da escola onde eu estudava. Nunca fui uma aluna exemplar e sempre tive minhas falhas, minhas discussões e minhas desavenças. Eu não era obrigada a gostar de todos.
Eu esperava que desistissem e que ligassem outra hora. Eu sabia de onde provinha a chamada. Minha escola. Eu seria dedurada e depois levaria uma grande bronca. Essa era a única certeza do meu dia.
-Pronto? – Minha mãe atendeu ao telefone com uma inocência incrível. Ela sabia tanto quanto eu de onde vinha a chamada. -  Ah, mais uma vez D. Rebeca? – uma pausa. A voz do outro lado da linha era furiosa. Eu acertaria minhas contas com a minha ‘tão amada’ professora de matemática em outro momento. – Eu realmente sinto muito, e acho que a atitude da senhora foi certíssima. Muito obrigada por ter me ligado, fico feliz que se importe. – QUE? Certíssima? Eu sempre soube que a D. Rebeca queria me ferrar, mas minha mãe e ela fazendo um complô contra mim seria demais. – Uma boa tarde pra senhora também, e mil desculpas pelo inconveniente. – Ela nem precisou colocar o telefone no gancho para começar a me encarar do outro lado da cozinha. O fone tocou o gancho, e ela começou a despejar. – O que tem a dizer ao seu favor? – sem pausa dessa vez – Acho que nada, não é? Não há nada que justifique o que você fez hoje. Sinceramente, Renata, começar a puxar os cabelos de uma colega durante a aula é demais, não concorda? Essa não foi a primeira vez que você foi expulsa da classe, e a D. Rebeca me alertou que na próxima você será expulsa da escola. Quer apresentar defesa ou já se considera culpada?
Respirei. Não adiantaria discutir com a  minha mãe. Ela foi professora durante anos e sabia o quanto era ruim lidar com alunas como eu. Nem foi necessário que ela lecionasse na minha classe pra saber como eu era dentro da sala de aula. Os professores me descreviam com tantos detalhes... Incrível.
- Adianta eu tentar dizer que não estava totalmente errada? – e, de fato, não estava. Aquela tal de Joana havia me ofendido. Pior havia ofendido minha mãe que é a pessoa que eu mais prezo neste mundo. Ela deveria entender isso.
- Provavelmente não. Não há fato que justifique você se atracar aos tapas com alguém. Eu sempre te disse o quanto eu odiava quando alguns dos meus alunos faziam isso. É ridículo e você se rebaixa a um nível extremo.
Ela estava calma. Por mais inacreditável que parecesse, ela estava calma. Talvez eu nem devesse tocar no real motivo de eu ter batido na minha ‘coleguinha’ Joana. Ou devia?
- Não, mãe, é sério. Se a Joana tivesse me ofendido, ok, mas ela ficou falando mal de você na frente de todo mundo. Poxa, eu não aguentei. – Ah, pronto. Falei também. Tomara que ela pergunte o porquê ao invés de me dar uma lição.
- Qualquer que fossem as palavras dela, você é mais forte que isso, não tem porque se importar.
Nossa, ela estava sendo muito piedosa com a Joana. Isso não estava certo.
- Mãe, talvez você não esteja nem ai para o motivo. Mas ela disse que você era seca e oca, que não merecia ter filhos porque era uma mulher muito chata e trataria mal os filhos. Poxa vida, eu sei que eu sou adotada, e não me importo nadinha com isso. Você me deu amor no momento que eu mais precisei. Não tem nada em você que te descarte do presente de ser mãe. Ao contrário, eu tenho certeza que você cuidou muito melhor de mim do que a mãe da Joana. Aquilo me ofendeu muito. E eu achei que fosse te ofender também. – eu precisava respirar, mas se fizesse isso ou ela me interromperia e eu não conseguiria falar o mais importante, ou eu perderia a coragem.
- Mãe, você me fez ser uma pessoa decente e me ensinou como me portar diante dessa sociedade exigente em que vivemos. Ter você do meu lado fez com que eu me mantivesse forte em várias situações em que eu desmoronaria caso não te tivesse, caso não tivesse sido educada da forma que fui. As bases que você me ofereceu foram incríveis e me fizeram superar muitos traumas antigos. Ensinou-me tanta coisa. Você me mostrou como respeitar e amar o próximo da maneira como queremos ser amados, assim como Deus escreveu nos mandamentos.  Tudo bem que somos só nós, mas é a nossa família, uma formação moderna, mas que nem por isso deixou de ser sólida. Sempre fomos nós duas, mãe, você sabe. Eu por ti e tu por mim. Eu te defenderia seja qual fosse o custo,  em qualquer situação, a qualquer risco. Sempre nos demos bem e  tivemos uma ótima convivência. Você me ensinou sobre Deus e me fez crer que há algo melhor para aqueles que O amam. Eu creio muito nisso. -  acho que eu não respirei muito durante esses minutos. Senti-me tonta. Precisei me apoiar nela, que agora estava na minha frente, expressando um meio-sorriso lindo, que só ela sabia dar. Senti seu abraço me envolvendo e me dando um carinho que há tanto tempo eu conhecia.  – Mãe, eu não sou tudo o que você queria que eu fosse e eu sei disso. Eu penso de um jeito, e você pensa de outro totalmente diferente. Somos de épocas diferentes, mas eu garanto que isso não me fez te amar um milímetro menos do que eu sempre te amei. Me desculpa por esse deslize?
Seus olhos focaram os meus e um calor emanou deles. O calor da aceitação. Eu sabia que se todos me rejeitassem aquela mulher não faria isso.  Os laços que nos envolviam naquele momento e em todos os outros dos nossos doze anos de convivência, se estreitavam e se ajustavam ao nosso redor. Senti-me acarinhada por seu abraço. A terceira guerra poderia ter começado e eu nem perceberia. Era o nosso momento, nosso instante de mãe e filha. Eternizado por ternura e mantido por respeito. 

[Grande, não é?] 
Quero comentários, hein? O que acharam? 

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