quinta-feira, setembro 27, 2012

Trecho de "Crônica da Casa Assassinada"

Tumblr_m0jc3hesyf1r5drv9o1_500_large
     Que é o para sempre? - o eco duro e pomposo dessa expressão, ecoando através dos despovoados corredores da alma - o para sempre significa que na verdade nada significa, e nem mesmo é um átimo visível no instante em que supomos, e no entanto é o nosso único bem, porque é a única coisa definitiva no parco vocabulário de nossa probabilidades terrenas...

     Que é o para sempre senão o existir contínuo e líquido de tudo aquilo que é liberto da contingência que se transforma, evolui e deságua sem cessar em praias de sensações também mutáveis? Inútil esconder: o para sempre ali se achava, diante dos meus olhos. Um minuto ainda, apenas um minuto - e também este escorregaria longe do meu esforço para captá-lo, enquanto em mesmo, também para sempre, escorregaria e passaria - e comigo, uma carga de detritos sem sentido e sem chama, também escoaria para sempre meu amor, meu tormento, e até mesmo minha própria fidelidade. Sim, que é o para sempre senão a última 
imagem desse mundo - não exclusivamente deste, mas de qualquer mundo que se enovele numa arquitetura de sonho e de permanência - a figuração dos nossos jogos e prazeres, de nossos achaques e medos, de nossos amores e nossas traições - a força, enfim, que modela não esse que somos, mas o possível, o constantemente inatingido, que perseguimos como quem acompanha o rastro de um amor que não se consegue, e que afinal, é só a lembrança de um bem perdido num lugar que ignoramos, mas cuja perda nos punge e nos arrebata, totais, a esse nada ou a esse tudo inflamado, injusto ou justo, onde para sempre nos confundimos ao geral, ao absoluto, ao perfeito que tanto carecemos.

(Crônicas da Casa Assassinada, Lúcio Cardoso. Páginas 19 e 20)

(Devaneios entristecidos)

Tanto pedi para que eu não mais me enganasse. Tanto pedi para que houvesse alguma surpresa positiva guardada pra mim num futuro próximo. Tanto pedi para não ter mais que fazer pessoas sofrerem. E cá estou eu, causando dor, enganando-me e tendo surpresas. Não é por pura vontade própria, mas acabou sendo inevitável passar por isso. Acabou sendo inevitável fazê-lo passar por isso. Fazê-los?

Me envolvendo com alguém, enquanto outra pessoa sente algo impossível por mim. Não é um privilégio, de forma alguma. Eu só queria poder entender o motivo de as coisas acontecerem de forma tão desordenada na minha vida, de forma tão bagunçada, tão heterogênea. Tudo se fez atravessado nos últimos meses. Uma viagem inesperada, uma alegria mal-recompensada, uma ausência sempre presente, um alguém pra chamar de meu. Porém, a mesma onda que me trouxe um amor, o levou de mim. Tão rápido, tão instantâneo. Aliás, será que posso chamá-lo de amor?

A presença de determinada pessoa em minha vida fez com que eu pudesse me sentir feliz, por vezes, contudo, ao mesmo tempo fez com que me sentisse vazia. E aí venho eu com todos os paradoxos em que me envolvo. Como é possível amar e sentir-se vazia simultaneamente? Peço encarecidamente que não me faça essas perguntas difíceis, meu abalo emocional não me permite respondê-las.

O abraço dele me acalmava, me trazia calor, mas ao mesmo tempo, havia um terror presente. Não há palavras que eu possa explicar tal fenômeno. Seu beijo era sincronizado ao meu, mas ao mesmo tempo, havia um destoar ali, um leve desafinar entre os lábios. Tudo era tão igual, mas tão diferente. Personalidades próximas, destinos opostos, objetivos diferentes, histórias semelhantes. Mas era tão bom sair do tom ao seu lado, fugir da realidade por meros segundos. E por que cargas d'água só consigo perceber as coisas depois que as perco?

Eu realmente deveria ouvir mais a minha mãe.

Em todas as ocasiões que segui seus conselhos, alcancei êxito. Mas dessa vez (justo dessa vez!) insisti em querer fazer as coisas "by myself". Resumo da ópera? Arrependimento bateu e agora tá difícil de largar meu orgulho e correr atrás do que me fez bem.

E como é que posso dizer a ele que simplesmente gosto da presença, mas não gosto do compromisso? Qual é a maneira correta de dizer que quero vê-lo, mas que não quero tê-lo? Será que é o correto a se fazer? QUAL O MOTIVO DE TANTAS DÚVIDAS? Por que elas aparecem aos montes nessa fase da vida, justo quando não podemos solucioná-las? Ou melhor, quando é politicamente difícil resolvê-las.

sexta-feira, setembro 21, 2012

Início de primavera

   - A gente se precisa, não tem jeito.
   - Não houve um dia sequer que eu duvidasse disso, Melissa, mas acho que não convivemos tão bem quanto fazíamos no início.
   A verdade as vezes é arrebatadora, mas necessária para que possamos acordar para uma realidade que, por vezes, pensamos poder manipular. Olhando para Cássio naquela noite, sob as estrelas, eu soube que já não éramos mais os mesmos, mas a quem poderia caber toda a culpa? Não acho justo culpá-lo por um erro que também foi meu, assim como não acho justo que a culpa caia toda sobre mim, porque não errei sozinha.
   Nosso relacionamento, simplesmente, aos poucos se desfez. Como as dunas mudam de lugar, os sentimentos também mudam, com uma rapidez que muitos considerariam impossível. Mas nós, que sabemos as frequências em que vibramos, nós que vivemos intensamente cada instante, sabemos que as coisas mudam e desde o início estivemos cientes disso.
   - Você sabe, Melissa, há meses não somos mais aquele casal quente, que desperta o melhor das pessoas. Estamos brigando muito, nos desentendemos com uma frequência anormal. Eu... eu gosto de estar contigo, você sabe, mas como é que posso ficar tranquilo se não sei o que posso esperar de você dois minutos depois de dizer que me ama? Você me entende? Entende que estou inseguro por nós?
   Eu quis só assentir, mas achei que não cabia ao momento. Ali, ele esperava uma reação minha, uma resposta às suas indagações. Eu verdadeiramente queria responde-lo, mas, será que as minhas palavras seriam suficiente sábias para tanto?
   - Sinceramente, Cássio, eu não acho que seja a única responsável por isso. Você sabe muito bem o quão revoltada eu ficava quando você saia cedo aqui de casa e ia andar na sua moto ridícula. Eu fingia que entendia, mas, na verdade, eu nunca soube muito sobre suas saidinhas. Eu não quero que me entenda mal, você sabe o quanto sou apegada a você e, de repente, seja só isso: apego. Quem sabe, se a gente não conviver mais, eu deixo de sentir tua falta, eu me acostumo com a tua ausência. E acho que isso seria muito bom. Poder rever amigos que há tempos não vejo, tomar um uísque com meus colegas da faculdade, curtir o colo da minha mãe nos finais de tarde. Eu acredito que seja disso que nós precisamos.
   Ele olhou-me com calma e, por dois minutos, refletiu o que eu havia dito. Eu soube que entendeu o que aquelas palavras significavam, quando, em um olhar complacente, ele assentiu. Sem pronunciar mais um "a", pegou as minhas mãos e beijou-as. Eu ia pronunciar algo, mas sua boca tão logo encaixou-se na minha, calou-me.
   Se soubesse que beijos de Adeus eram realmente tão intensos, sutis e apaixonantes, teria dito adeus mais vezes, mesmo que me machucasse. Não é masoquismo meu, é só... uma vontade louca de sentir o afeto que me dedicam, mas que por vezes, oculta-se pela rotina, pela certeza do amanhã, que na verdade não há.