Por mais longe que ele estivesse, sempre que pediam como ia o relacionamento, Alice sempre abria um sorriso do tamanho do mundo e dizia: “Melhor do que jamais esteve”. Ela sabia que muitos estranhavam aquela atitude dela e de Francisco, mas nada podia fazer. O destino os havia feito amantes e eles aceitaram isso na primeira conversa que tiveram. É lógico que sentiam falta de beijos pela manhã e abraços ao anoitecer, mas sabiam que, em algum momento, poderiam estar juntos e que, nesse momento, valorizariam todo o tempo que precisaram estar longe, fariam cada segundo de espera ter valido a pena. Os quilômetros que os separavam passavam da casa das centenas e partiam pra unidade de milhar. Eram quase mil e cem quilômetros, uma distância relativamente longa pra quem não tem objetivo, ou mesmo, para quem não tem um amor estelar.
Um amor estelar, sim, pois o que lhes acontecera só podia ser atribuído as estrelas, ao Universo, ao Cosmo, ao Acaso, a Lua ou a qualquer outro deus pagão que você consiga imaginar. Ela pouco acreditava nas religiões impostas, no cristianismo e no (pelo Universo!) catolicismo. Tinha crenças universais que somente lhe cabiam. Acreditava que estrelas realizavam desejos, mas não sabia dizer há quanto tempo tinha essas certezas. O misticismo inerente a sua aura apaixonada lhe fazia misteriosa e digna de fascínio. Sua intelectualidade prendia-o com amarras de suspense, sempre trazendo novidades ao romance e temperando a relação com novos conceitos para si.
Ele, apesar de pouco terem convivido, era notoriamente um amante dos prazeres da vida. Seus dias passavam lentamente e ele os aproveitava. Fotografava o pôr-do-sol e admirava quando a lua cheia banhava o mar com seus refletores prateados. Era um gentleman, com toda certeza, do tipo que cumprimenta velhinhas na rua e arranca sorrisos de menininhas dóceis. Sua personalidade forte a havia impressionado desde a primeira mensagem trocada. Mostrava-se dono de uma honestidade imensurável e de um caráter de fazer inveja. Com o passar dos dias, e depois, das semanas e por conseqüência delas, os meses, Alice só fez adquirir maior convicção da beleza da alma do seu anjo Francisco.
Mantinham contato durante todo o dia, fosse por mensagens de texto, ou por ligação. Até de operadora ele trocou só pra poder conversar mais tempo com ela. Os minutos que passavam em simultânea companhia eram muitos e, por vezes, parecia que eles conseguiam fazer com que o dia esticasse um pouco, apenas para que pudessem se falar por mais tempo. Tempo esse que só fazia diminuir o período temporal que haveriam de enfrentar, até poderem mergulhar no quente abraço um do outro.
Eles sabiam que o encanto poderia acabar de uma hora para a outra, com a triste e obscura explicação de que, devido à carência, um deles havia conhecido outro alguém e por este se apaixonado, com a desculpa que haviam sucumbido carnalmente por causa da ausência do outro. Estavam suscetíveis a isso, mas sabiam que encarariam as coisas da melhor forma possível, tamanha era a congruência de seus destinos, unidos por um fio invisível e costurado por quem faz todo o universo funcionar com plena força.
Dizer que haviam sido feitos um para o outro seria uma enorme pieguice, mas analisando de forma fria e calculada, não haveria nada mais correto a se dizer sobre os dois. Seus gostares e desgostares combinavam de forma tão perfeita que nenhuma sinastria amorosa poderia dizer que combinariam. Apenas em um olhar, os olhos magnetizavam-se e se tornavam cada vez mais pertencentes um do outro. Não há quem possa desmentir. Eles discutiam bastante, mas se amavam bastante também. Eram ying e yang, os dois lados de uma mesma moeda, partes pertencentes de uma mesma peça perdida pelo Universo. Contudo, quando colocado na balança, o lado positivo pendia em maior quantidade, então, tudo ainda valia à pena e ela sabia do fundo de seu romântico e racional coração que valeria por muito tempo.
Tempo esse que ela não limitava e nem ousava adivinhar. Ela seria grata por poder passar momentos com ele, fossem bons ou ruins, pois o sentimento que tinham independia de adjetivos ou flexões verbais – passado, presente e futuro eram questões secundárias nos planos do casal -, eles tinham apenas uma absurda necessidade de encontrarem-se e poderem conviver, não importava se fosse hoje, amanhã ou daqui há dez anos.
A mente de Alice costumava divagar sobre como seriam esses momentos que teriam juntos, porém lhe parecia que não cabiam pensamentos àquela situação. Ela poderia, logicamente, fazer injunções sobre seu futuro ao lado de Francisco, mas ambos eram tão mutáveis e imprevisíveis que de nada adiantaria. Alice sentia que as coisas correriam bem, que a paz que os envolvia estaria sempre presente no relacionamento dos dois, mas as instabilidades emocionais dela e os determinismos biológicos dele impediam que algum quadro concreto fosse montado em sua mente. Seriam momentos maravilhosos, com absoluta certeza, todavia, também seriam tempestuosas as lembranças que guardaria.
Não há substantivos que descrevam de forma correta a forma como ambos se sentiam. Ela, narradora onisciente, sabia de todas as coisas que sentia, de todos os poemas que já havia lhe escrito mentalmente, de todas as citações que lera em seus livros e que remetera a ele, de todas as lágrimas que havia derramado por não conseguir acreditar na viabilidade desse sentimento quando aplicado em uma distância física imensa, como era o caso.
Essas incertezas sentimentais costumavam afligir seu coração com uma freqüência com certeza muito maior do que ela desejava. Temia pelo amor que sentia. Despertava-lhe fascínio o gozo do seu coração ao chamar-lhe de “amor” e trepidava-lhe o peito ao referir-se a ele utilizando pronomes possessivos – “meu anjo”, “meu amor”, “meu futuro”. Havia, porém, um abismo enorme entre o que ele sentia e o que dizia sentir. Seu coração misterioso, profundo, porém magoado, estava aberto a esse sentimento agora, mas a questão era: até quando? Ela já tinha provado da ausência de Francisco em sua vida, e o resultado fora devastador para as suas emoções, seu psicológico. Palavras perdiam o sentido quando postas em papel, pensamentos devaneavam quando ela lhes pedia que tomassem forma, os clichês que ela sempre odiara agora passavam a ser freqüentes em seus romances cada vez mais piegas.
Foi necessário que passassem um tempo sem que falassem um com o outro e o que Alice sofreu, não é desejável nem ao pior inimigo da criatura mais maligna do universo. Ela se agarrou a outros corpos, que não o de seu Francisco, corpos que não faziam o menor sentido para ela, apenas para tentar amenizar a dor que sentia, para que a paixão fosse levemente apagada pelo brilho de outros olhares. Ela alterou-se com álcool para que a coragem pudesse fazer sentido, fazendo sua alma evocar todos os sentimentos que tinha por ele. Enquanto ela se torturava, ele não dava notícias. Ou, quando lhe dava, o que era raríssimo, era para dizer que estava tentando viver sua vida e costumeiramente, lhe pedia para que fosse viver a dela.
O Eu - Lírico de Alice sempre lhe disse que não desistisse.
E, no final, seu Eu - Lírico estava certo, pelo menos até então.
Após alguns meses de exposição a beijos degradantes, abraços possessivos, volumes alcoólicos altos para seu padrão juvenil e lubrificação ocular excessiva, ele havia milagrosamente retornado para a sua vida.
Ela, que já havia desacreditado em Deus por esse e outros motivos, dobrou-se e depois de tanto orar aos céus, teve seu amor de volta. Ela crê que não possa relacionar o retorno de Francisco a todas as orações enviadas ao Cosmos, mas essa perseverança que ela teve, com certeza fez diferença no “desfecho-não-concluído” desse texto.
Eles tentam, uma vez mais, aproximar suas vidas e seus pensamentos. Trilhar juntos um caminho que, lado a lado, se torna mais fácil para ambos. Alice lhe ajudando da forma que pode, e Francisco desmistificando os fantasmas da mente da garota, fazendo com que seus pensamentos e suas palavras expressem-se de forma mais coesa e determinada.
E ainda assim, mesmo depois de tê-lo novamente em sua vida, ela fecha os olhos todas às noites, após enviar a ele uma última mensagem de texto, junta todo resquício de fé que possa haver em seu peito e clama: “Que estejamos juntos na dor, na revolta, no sofrimento... mas também nas alegrias, no riso, na simplicidade. Que possamos, um dia de cada vez, com a inexistência de tempos verbais, construir um quadro colorido e recheado felicidade. Que possamos estar juntos enquanto achardes por bem, Senhor do Tempo. Amém!”
Que o tempo seja a favor da felicidade de ambos. Da nossa felicidade. Da felicidade da autora.
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