Que é o para sempre? - o eco duro e pomposo dessa expressão, ecoando através dos despovoados corredores da alma - o para sempre significa que na verdade nada significa, e nem mesmo é um átimo visível no instante em que supomos, e no entanto é o nosso único bem, porque é a única coisa definitiva no parco vocabulário de nossa probabilidades terrenas...
Que é o para sempre senão o existir contínuo e líquido de tudo aquilo que é liberto da contingência que se transforma, evolui e deságua sem cessar em praias de sensações também mutáveis? Inútil esconder: o para sempre ali se achava, diante dos meus olhos. Um minuto ainda, apenas um minuto - e também este escorregaria longe do meu esforço para captá-lo, enquanto em mesmo, também para sempre, escorregaria e passaria - e comigo, uma carga de detritos sem sentido e sem chama, também escoaria para sempre meu amor, meu tormento, e até mesmo minha própria fidelidade. Sim, que é o para sempre senão a última
imagem desse mundo - não exclusivamente deste, mas de qualquer mundo que se enovele numa arquitetura de sonho e de permanência - a figuração dos nossos jogos e prazeres, de nossos achaques e medos, de nossos amores e nossas traições - a força, enfim, que modela não esse que somos, mas o possível, o constantemente inatingido, que perseguimos como quem acompanha o rastro de um amor que não se consegue, e que afinal, é só a lembrança de um bem perdido num lugar que ignoramos, mas cuja perda nos punge e nos arrebata, totais, a esse nada ou a esse tudo inflamado, injusto ou justo, onde para sempre nos confundimos ao geral, ao absoluto, ao perfeito que tanto carecemos.
(Crônicas da Casa Assassinada, Lúcio Cardoso. Páginas 19 e 20)
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