segunda-feira, novembro 24, 2014

Um conto sobre tempo, retornos e saudades

(Dê play. Heart like yours)

(Miguel narrando)
How could I live before? How could I’ve been so blind?...
Tateei as escuras, sem conseguir abrir os olhos, apenas guiando-me pelo som e tentando perceber de onde ele era emitido. Fui enganado pelos meus sentidos algumas vezes e percebi que não estava desperto o suficiente pra atender ao telefone. Deixei que tocasse.
Breath deep, breathe clear, know that I’m here, know that I’m here, waiting...
A luz da tela voltou a iluminar o breu do meu refúgio. Dessa vez, mais incomodado e desperto, fui capaz de encontrar meu celular e atendê-lo.
- Hm?
- Acorda, Miguel.
- Valentina?
- Tereza. – disse a voz e eu estranhei ouvir aquilo. - Eu preciso que você apareça aqui daqui meia hora, Miguel. A Valentina vai falar coisas que você precisa ouvir.
- Mas, são... – o som da chamada encerrada me invadiu. Tereza ligando as, hm, duas da manhã... Valentina dizer coisas que eu preciso ouvir? Considerar isso ou não considerar?
Por dois segundos pensei nos aspectos positivos e negativos de pegar o carro, dirigir por algumas quadras vazias e chegar até o condomínio em que ela morava. Eram duas da manhã. Em quatro horas eu precisaria levantar... aula de estruturas, a avaliação do semestre estava chegando e eu precisava de uma boa nota ou então ficaria retido no semestre e seria mais um até me formar. Meus pais já andavam reclamando que o engenheiro da família andava sendo muito relapso, mas... Mas era a Valentina. Eu precisava ir, não importava o quanto precisasse não ir.
Me perguntei, por um momento, como uma chamada tão inesperada poderia produzir tantos pensamentos aleatórios. Mesmo que a tela indicasse “Valentina ♥” e a nossa música me dissesse que seria ela do outro da linha, não era. Mas ainda assim, fiquei extremamente surpreso. “Ela vai falar coisas que você precisa ouvir”. Que coisas poderiam ser essas? Já tínhamos dito tanto um ao outro, até nos calarmos e consentirmos com o hiato que havia ficado ali. O hiato que eu havia criado no nosso relacionamento.
A tela do celular se iluminou de novo. SMS.
Me avisa quando estiver na porta. Manda msg pra mim. Já liberei sua entrada na portaria, mas entra e espera. Não faz barulho, só ouve. T.
Tudo bem, então lá vamos nós.
Um tempo depois, a tela do celular da Tereza se iluminou. SMS do Miguel.
Tô aqui já. Me explica o que tá acontecendo.
Respondi: Espera. Ouve, fica atento.
As instruções eram claras. Ficar em silêncio e ouvir.
Não entendi ao certo as razões de eu estar fazendo aquilo. Era quase cruel com a Valentina isso que estava pra acontecer, seja lá o que fosse. Nem eu conseguira entender ao certo o que estava pra acontecer.

(Valentina narrando)
Era quinta a noite, eu e a Tereza estávamos na sala assistindo um filme romântico. Até o ultimo instante eu disse à ela que não queria assistir um romance, que não conseguiria dar conta daquilo, mas ela fez de tudo para que assistíssemos, então, que seja! Se eu tivesse uma crise, a única pessoa que ouviria meus lamúrios seria a responsável pelo desabrochar deles. Ou seja, caso ocorresse, ela mereceria ouvir cada reclamação e secar cada lágrima. Papel de colega de apartamento.
Lá pelas tantas notei que o filme me tocaria bem mais que normalmente os filmes costumavam me tocar. Algo com um efeito  “Nicholas Sparks” estava pra acontecer. Algo como... A Culpa é das Estrelas, ou Um Amor para Recordar, ou ainda, Um dia...  algo desse gênero. O da vez era Se Eu Ficar. E com menos de meia hora de filme eu já tinha chorado duas vezes. Tereza me pagaria com sangue. Ou com lenços, talvez.
A pipoca estava no fim já, então recolhi nossos potes e fui indo na direção da cozinha para fazer mais.
- Tê, dá um pause. Não quero perder nada, mas preciso de mais pipoca pra ruminar. Com brigadeiro dessa vez?
O som cessou na sala e logo depois, Tereza me respondeu dizendo que sim, brigadeiro seria uma ótima.
- Val, você tá chorando muito hoje. É o filme ou tem mais coisa?
“Mais coisa”. É óbvio que tem mais coisa. Ela sabe.
- Mais coisa, com certeza. Mas mais do mesmo. Como sempre.
- Quer falar disso um pouquinho antes de voltarmos a ver o filme? Com a alma limpa fica melhor assistir romances.
- Hoje não era um bom dia pra romances, eu te disse. Vou fazer a pipoca e daí sento aí pra falarmos do drama “Miguel” um pouquinho. Preciso de ajuda pra entender umas coisas que andaram acontecendo mesmo.
Ela afirmou e pegou o celular. Provavelmente iria olhar o feed de notícias de alguma rede social, pra fazer o tempo passar... deve ser isso que as pessoas pensam quando ficam fuxicando nas redes sociais.
Coloquei a pipoca na panela e comecei a mexer o brigadeiro. Cozinhar, mesmo que um simples brigadeiro, sempre foi terapia pra mim. Era um dos momentos que eu conseguia me manter mais concentrada em mim mesma. Até mais do que nos momentos pré-sono. Cozinhar era um meio de ter a atenção voltada toda pra mim, mas ao mesmo tempo, ter a mente limpa, focada no que precisava de foco naquele momento: a chama acesa do fogão, a comida na panela.
Pensei nos aspectos que queria compartilhar com a Tereza. Pensei nas tantas coisas que eu havia refletido durante a semana e sobre as várias conclusões que havia chegado sobre o fim do meu relacionamento com o Miguel. Bom, não há muito o que se dizer, na verdade. Ele estava passando por um momento de conflito emocional, ou sei lá o que, e eu imagino que a Engenharia também devesse estar deixando ele quase louco. Mas eu sempre tinha me sentido como um ponto de segurança pra ele, uma fortaleza, então não conseguia imaginar o porquê de ele precisar se afastar em uma situação de conflito emocional. Não conseguia entender o porquê de precisarmos ficar afastados num momento que ele precisava de alguém por perto e não se isolar.
Até que chegou um momento dos últimos quatro meses em que eu decidi que não me culparia e nem questionaria mais os ocorridos. Apenas viveria da forma que fosse possível. Com aquela ausência constante e o fantasma de um ex-namorado carinhoso a espreita, me fazendo sentir saudades dele a cada vez que respirava.
Uma vez pronta a pipoca, fui até a sala e me sentei no sofá ao lado da Tereza. Ela me olhou, sorriu e atacou seu pote de pipoca.
- Hm, tá muito, hmmm, boa! Só você sabe fazer isso aqui ficar tão bom.
Agradeci com um balanço de cabeça. Ela me encorajou a começar falar.
- Bom, não sei ao certo... Acho que só ando sensível demais a saudade. Ver ele pelos corredores da faculdade as vezes me deixa atormentada. Por mais de uma vez já nos cruzamos e mal conseguimos nos cumprimentar, Tê, e eu acho que essa é uma das coisas mais tristes que já vivenciei na vida. Ele foi a pessoa mais importante que eu já tive do meu lado, o parceiro mais completo e que mais me fez feliz, que mais me fez sentir intensa. E mesmo assim, parecemos dois desconhecidos nos corredores. – Uma lágrima fez menção de escorrer pelas maças do meu rosto, mas eu a repreendi mentalmente e pedi que aguentasse firme mais algum tempo. – Ah, Tê, sei lá, de repente é até o contrário disso. De repente a gente conhece tanto um do outro que sente a dor de estar separado, mesmo continuando assim, e por isso a gente se estranhe a cada vez que se cruza por aí. Eu sinto dor naquele olhar... sinto saudade, sei lá! Pode ser que tudo isso seja só imaginação... que a única coisa que ele sente quando me vê é pena, mas sei lá, Tereza, sinto que a situação ficou tão mal resolvida que a qualquer momento que a gente se cruzar, um vai abraçar o outro e a gente vai começar a chorar ali no meio da faculdade.
Do nada, ela saiu do lado oposto do sofá e deitou no meu colo. A Tereza me conhecia tão bem que sabia que pra eu me sentir confortada de verdade, eu precisava estar confortando alguém. Ela, no caso.
Percebendo o meu silêncio, ela instigou:
- E então?
- Então o quê, Tê? Então que eu sinto falta dele no meu dia-a-dia, a cada instante, a cada ínfimo segundo. Pode ser a coisa mais idiota e errada a se dizer, mas eu sinto que preciso compartilhar com o Miguel as coisas que se passam comigo, esses sentimentos e pensamentos que dizem respeito a ele. Mas... mas eu prometi que não faria isso da última vez que nos falamos. Prometi que nossa relação se limitaria ao estritamente necessário. Mas não pensei que as consequências dessa promessa fossem me deixar tão inquieta, com a mente tão bagunçada... Querendo ou não, dizer pra ele todas essas merdas que eu penso e falar o tamanho da falta que ele me faz, fazia com que mantivéssemos contato, fosse isso bom ou ruim. Mas agora... faz semanas que não tenho notícias dele. Aguardo uma mensagem no Whatsapp quase que diariamente. Abro o perfil dele mil vezes. Vejo a foto, a última vez que esteve online e penso porque ele nunca escreve nada onde temos o ‘status’. Penso, porque diabos, ele não coloca alguma indireta ali, ou sei lá o que?! Ou eu sou maluca por fazer essas coisas?
- Não é não, Val. É quase que perfeitamente normal você ter esse tipo de atitude. Você sente falta, quer demonstrar, mas reprime o impulso e muitas vezes eu acho que isso é a coisa mais certa a se fazer. Mas, você não acha que já deu a hora de acabar com isso de vez? Sei lá, desistir dele ou de estar com ele, pelo menos por agora? Se for pra ficarem junto um dia, vocês vão ficar.
- Tê, quem me dera ter clareza ao pensar nessas coisas. Nos meus pedidos antes de dormir, sempre clamo por sabedoria pra lidar com tudo isso. Meu amor grita dentro de mim pedindo pra ser declarado pro Miguel. Sabe, eu nem consegui dizer pra ele que o amava... a gente não chegou a ter tempo pra isso. Foi tão breve e tão intenso. Tão diferente de tudo o que eu já tinha sentido antes... Tão mais sincero. E mesmo que em alguns momentos não pudéssemos ser tão sinceros pras outras pessoas quanto a nós, quanto a sermos ‘nós’, a gente já sabia que era e não tava nem ai, sabe? Uma vez comentei com ele que uma colega tinha me pedido se a gente tava junto e eu disse que não, que éramos apenas amigos. Ele me respondeu dizendo que “então tínhamos achado o pote de ouro, que aquela era a amizade mais colorida já vista”. Preciso concordar. Antes de sermos, já éramos, saca?
- Eu sei, Valentina. Fui a pessoa que mais conviveu com vocês dois. Antes de serem e depois, quando já eram. Esqueceu? Só eu sei o quanto eu torci pro amor de vocês nunca terminar, pra ser sempre como estava sendo. Mas, do nada, vi o castelo de cartas desabar...
E desabou. E, por consequência, desabei junto. As lágrimas me vieram aos borbotões.
Mesmo que ele dissesse que não e que a Tê também me garantisse que não... eu achava que o desmoronamento daquele castelo de cartas era culpa minha. Eu desconfiava que meu afinco em fazer cada molécula do meu corpo cooperar para o bom desenrolar daquele relacionamento havia sido o estopim para o fim precoce do meu romance.
- Não, Val, não chora desse jeito ou vou me sentir culpada pelo que to fazendo.
- Pelo que tá fazendo? Não tá fazendo nada, to só desabafando contigo, pra variar.
- Não, Valentina. Eu tô fazendo mais que isso.
Eu fiquei tão confusa que me levantei do sofá, meio que de supetão. Tereza se assustou e levantou de onde estava, meio que sem saber qual seria o próximo passo a ser dado.
Quieta, ela saiu do sofá e foi em direção a porta e como se alguém tivesse batido ali, a abriu.
Ninguém havia batido, de fato. Mas havia alguém ali. E o alguém que ali estava, era, por se dizer, um dos poucos alguéns que não devia estar ouvindo toda aquela conversa. 
- Entra, Miguel. – Ela disse, assim, como se estivesse dizendo ao carteiro que sim, aquele era o endereço correto pra entrega das faturas de luz, água e demais contas que precisávamos pagar todo mês.
Ele só conseguia olhar pra mim. Analisar minhas feições, ver minhas lágrimas, entender meus gestos, imaginar minha confusão, acredito. A situação toda tinha fugido do meu controle e, então, foi quando percebi que ela nunca esteve nas minhas mãos. Que o controle da noite havia sido da Tereza... que ela havia manipulado tudo aquilo e cogitei que, talvez, o Miguel estivesse envolvido em toda aquela manipulação.
Me senti ultrajada, envergonhada e exposta, pra não dizer puta da vida.
Percebi, numa fração de segundo, quando meu olhar cruzou o dele que eu não era a única desnorteada ali... havia sim, sido manipulação da Tereza, mas só dela. Ele era inocente. Ao menos nesse aspecto.
Eu recuei até onde pude, até meu corpo todo estar colado a parede atrás de mim. Me senti traída... sei lá. Minha amiga percebeu e logo começou a andar em minha direção falando coisas sem sentido, tentando explicar as razões de ter feito aquilo. Mas eu evitei que ela se aproximasse. Saí pela tangente, mas notei que dessa forma me aproximava do Miguel, de súbito, parei.
Mas, quando parei, vi uma mão estendida na minha direção. A mão dele.
- Vem comigo. – Ele disse, ainda com a mão estendida, esperando que eu a pegasse.
E eu peguei. Senti o toque dele quatro meses depois de ele ter me dito que precisava de um tempo. E o toque foi quente de novo, reconfortante, mesmo sendo o mero toque das nossas mãos, não passando de um toque breve...
Assim que eu o toquei, ele fechou sua mão em torno na minha e me puxou em direção a porta. Deixamos Tereza falando sozinha.
- Pra onde a gente tá indo? – Abarrotada de pensamentos, tentei entender pra onde ele estava me direcionando. Não estava prestando atenção nas paredes, nas escadas, em mais nada... só sentia o toque dele na minha pele, de novo ali, como se jamais tivesse saído de mim.
- Pra algum lugar aberto. A gente precisa conversar, caminhar... mas não ali. Eu entendi o que aconteceu só quando aconteceu de verdade. Não curti a atitude da Tereza, mas sinto que colaborei com ela.
Foi então que, pouco antes de abrirmos a porta do meu prédio, parei e questionei-o sobre o que estava acontecendo.
- Não sei, amor... ela me mandou uma mensagem do seu celular e me pediu pra aparecer em meia hora porque você ia falar o que precisava ser dito. Eu entendi o que ela quis dizer, o que ocorreria, mas não sei se tava preparado pra ouvir as coisas que você falou. – A palavra amor ainda estava ecoando na minha cabeça.
- Oi?
- Que?
- Você me chamou de...
Com uma expressão de quem se recriminava, mas que ao mesmo tempo estava satisfeito com o que havia feito, ele repetiu: - Amor.
Eu me senti atordoada por um instante, como se minha cabeça estivesse cheia de uma fumaça, uma névoa... os quatro meses estavam socando a minha cara.
- É que não sei se você percebeu, mas faz quatro meses desde a última vez que nos referimos um ao outro dessa forma...
- Eu percebi, Valentina. Eu percebi cada dia passar arrastado por não te ter por perto.
Um soco no rim, outro no pâncreas, outro no pulmão. Fiquei sem ar.
- Ei, vem aqui... – Ele me puxou de encontro ao peito e eu voltei a me sentir aninhada, confortada. Porque quando estava com ele era um dos poucos momentos em que me sentir confortada queria dizer “estar aninhada” e não “estar aninhando” alguém. Ali, o pássaro frágil era eu. – Desculpa por estar trazendo toda essa loucura a tona. Não é bem minha culpa, mas me sinto culpado do mesmo jeito, amor... – ele disse de novo, dessa vez mais consciente ainda das quatro malditas letras que estava pronunciando.
- Eu... eu não sei se aguento você me chamando de amor assim.... – eu disse, dando um sorriso meio amarelo, meio torto... esperando que ele entendesse aquilo como eu havia pretendido soar.
- Você aguenta e ainda vai ter que ouvir muito, porque das palavras que eu digo, essa e, principalmente quando dita pra você, é a coisa mais verdadeira nesse mundo.
- Mas se é assim tão verdadeira, por que é que ficamos quatro meses sem pronunciá-la um pro outro? – Já haviam lágrimas brotando dos meus olhos mas dessa vez eu não as impedi de rolarem. Com ele não haveriam máscaras, não haveriam disfarces, não haveria contenção. Pra ele a verdade, sempre, nua e despida de toda e qualquer vergonha pelos meus sentimentos.
E como que por um milagre, eu vi aquele olhar.
Doce e inesperado, veio até mim um par de olhos castanhos que invocavam uma tempestade dentro de mim. Uma fusão de sentimentos e de sensações... um par de olhos castanhos que se fechou aos poucos enquanto o seu dono aproximava os lábios dos meus lábios, tão saudosos dos beijos seus.
E ali, ratifiquei minha sentença: não haveria mais razões para lutar ou dizer que não. Nunca houveram na verdade, nunca houve resistência da minha parte e agora, como não havia da dele também, nada mais nos impedia de estar juntos.
Não houve resistência alguma por parte dos meus lábios e os dele, tão suaves quanto sempre, fizeram o favor de matar a saudade que eu sentia daquela intimidade tão conhecida e importante pra mim. Não houve uma noite sequer, destes quatro meses que eu não tenha dormido abraçada num travesseiro esperando pelo dia que ele retornasse, aguardando por hoje, para que pudéssemos então retomar o que não devia ter tido uma interrupção.
E então, sem muita conversa, fizemos o que havia de ser feito: dormimos juntos novamente e aquela noite estava marcando o início de uma nova contagem: três meses mais um dia...
E se me questionarem sobre minha passividade quanto aos fatos, eu posso dizer apenas que não me arrependo de não ter questionado suas ações. Cedo ou tarde, o tive de novo pra mim. E sou grata aos céus por ter entrelaçado nossos destinos mais uma vez. Não houve uma noite sequer que eu não fantasiasse com esse retorno, com essa “volta dos que não foram”, porque sim, Miguel não havia deixado os meus pensamentos nem por um segundo. Mesmo quando me degradava com outra pessoa, tentando esquecê-lo ou substituí-lo em noites regadas a vodka e solidão... Todas as vezes que estava acompanhada de outro homem, me sentia sozinha, até que nos quarenta e cinco do segundo tempo, resolvi mudar a estratégia. E esperei. Esperei pacientemente até que retornasse. E mesmo sabendo que fora de um jeito torto, eu sei as coisas que ele ouviu e escutei as coisas que ele me disse depois... Eu soube que ainda havia mais para ser vivido e eu quis viver aquilo! E não titubeei. Eu vivi, porque sabia que precisava viver aquilo naquele momento. Sabia que não poderia correr para longe daquele abraço, pois era exatamente ali onde eu queria e devia estar por um determinado período de tempo, que havia sido acrescido e aumentaria a partir de agora. E ainda tive certeza que apesar dos tropeços, desta vez não seria como antes. Seria diferente. Haveriam mais cobranças e mais razões para questionamentos, mas eu esperava que soubéssemos lidar com aquilo. Com sorte, saberíamos. Pela sorte, juntos estaríamos por mais um período de tempo (mais longo desta vez, por favor, Senhor do Tempo).



Oi galera! Zilhões de anos sem aparecer, mas, assim como com a Valentina, os meus últimos meses têm sido complicados. Espero que em breve melhorem. Bom, férias! Quem sabe apareço mais por aqui! Se a fossa prosseguir, mais contos surgirão. Grata aos que chegaram até aqui!
Boa noite/tarde/dia, sei lá! Beijinhos. 

quinta-feira, novembro 06, 2014

Queime depois de ler

Eu precisava ter essa conversa com alguém, mas com todo mundo que eu toco no teu nome, levo bronca... Me dizem pra parar de pensar que já esqueço, ou dizem que não mereço nada tão inseguro quanto o que você me oferecia e mais uma quantia enorme de coisas que pode até fazer sentido pra elas, mas que pra mim, pouca coisa interessa. É chato isso de burlar a própria promessa, sabe? Mas é que eu realmente precisava desabafar com alguém. E a única pessoa que não me proibiu disso, de certo modo, foi você. Logo, caso não queira ler alguns lamúrios, pare por aqui mesmo. Mas eu vou além.
Por mais que tudo tenha acontecido, ainda sinto falta da tua presença, ouço músicas e lembro de você, vejo textos felizes e tristes e penso na gente, imagino cenas e nos coloco no lugar. Pra mim ainda é nós, desculpa falar assim. Não sei se em algum momento chegamos a ser um só de verdade, mas eu sinto como se sim. Como se a gente tivesse feito um milagre na vida um do outro por um tempo. Um pequeno milagre, talvez, mas ainda sim, um milagre. Foram horas intermináveis de conversa, horas (graças aos céus) infinitas de carinhos e momentos inesquecíveis da companhia um do outro. Eu me senti mais do que bem ao teu lado em todos os momentos. Mesmo no meio daquele turbilhão de lágrimas do ultimo dia, eu não me senti mal. Apenas não entendia ao certo os porquês, as razões, sei lá. Eu me desmontei naquele dia, porque as razões do meu sorriso dos últimos três meses, estavam sendo tiradas de mim, negadas.
E eu ainda fiquei mais um tempo sentindo que faltava algo no dia-a-dia, assim como ainda falta. Mas estou tentando pensar que certas escolhas não dependem de mim e que essa é uma das sinucas de bico em que o Universo coloca a gente. Quando você quer algo mas já não pode decidir por isso, e sequer lutar, batalhar pelo que acredita. Eu contrario um pouco na questão da batalha, porque acredito que pra mim ela mal começou. Mas cada um trava a batalha que escolhe, luta apenas pelo que acredita e acha justo.
Eu ainda acredito em você. Talvez não mais em nós, talvez não nesse momento, mas em você eu com certeza acredito. No quanto você com esses seus quatro nomes que não combinam é capaz de me fazer sentir feliz e completa, algo como "a pessoa mais feliz do mundo".
Lembro quando, logo no começo, tu me disse que a alegria dos teus dias era acordar e saber que no final deles iria me ver. Acredite, a alegria dos meus dias ainda é acordar e saber que passei mais um dia sem abandonar as minhas esperanças mesmo que fracas. E isso faz um enorme sentido pra mim, porque tô travando a batalha pela qual eu decidi lutar: não abandonar minhas esperanças.
Sei que um milhão de coisas podem ter acontecido desde junho. Pra mim, aconteceram. Mas pouco disso me faria mudar de ideia com relação a minha batalha. Pouco disso me faria desistir do que eu realmente acredito nesse momento. Em você.
Eu tenho que concordar com muitas pessoas quando dizem que não deveria mais falar contigo, mas é tão comum pra mim esse fato, que se torna até difícil esconder de ti o que eu sinto. Não quero que minhas promessas pareçam vagas, mas tem algumas que eu realmente não consigo cumprir. Tipo fazer dieta, ou começar a fazer exercício, ou parar de amar kinder ovo e meus livros. Existem coisas que contrariam a minha natureza, o meu jeito de pensar. E infelizmente, (para ambos) sumir da sua vida está na lista das coisas que não me agradam nenhum pouco.
Gradativamente, quem sabe, mas não ainda.
Ainda existe a possibilidade de essa minha negação com te abandonar seja só pra fazer pirraça, pra ir contra tudo e todos. Isso de ser do contra é bem minha cara também. Tu bem sabe.
Bom, eu sumi por uma semana, mas você aparece nas minhas listas do snap com freqüência, ai acaba que fica meio complicado não pensar em você, não lembrar de coisas e de sentimentos e afins.
Por nenhuma razão específica, hoje relembrei de muita coisa e talvez esse e-mail só tenha se dado por isso. Por ter tido uma overdose de Johnny o dia todo. Por ter pensado em você dez vezes mais do que deveria, na situação atual. Dá pra bloquear o impulso nervoso que me trás você a mente?
Still thinking on us and working to forget it.
A mensagem não foi enviada, graças a alguma lei cósmica que tenha, talvez, impedido um desastre. Está na minha caixa de saída sob jugo, estou refletindo se devo ou não usar de outros meios pra fazer essa mensagem chegar ao destinatário.

domingo, setembro 28, 2014

Sobre ser uma arquitetanda (início do 4º semestre)


Boa noite! (quase bom dia?) Argg, nunca sei como me referir nesses horários. 

Vim aqui reativar o blog e mostrar pra vocês mais algumas coisas que aconteceram de legal nessa parte de ano que já se foi. Um semestre aliás, que pra muita gente é motivo de desespero, mas é tranquilo pra mim porque meu regime universitário é anual, não semestral. Resumo: começo a me preocupar por agora...
O que tem de bom em ser veterana? Basicamente não muda nada na sua vida. Sério mesmo. Eu me senti bem útil, na verdade, mas nada além disso. Calouros vêm me pedir sobre materiais, provas, professores... e me sinto bem em ajudar nesse aspecto. É bem legal :3 Ahhhh e tem ainda a chance de poder deixar os calouros bêbados na cervejada de recepção, que é bemmmm divertido também.
Quanto a própria turma, foi o ano de decisão da empresa de formaturas; o ano em que consolidamos nosso grupo de amigos; e o ano da melhor viagem da minha vida: CURITIBA WITH FRIENDS. Serio, parece pouca coisa... mas foi incrível! <3
Apesar de não ter tirado tantas fotos esse ano, vou postar algumas pra vislumbrarem meu mundo. :D
(Desculpem pela pouca quantidade e pela falta de organização. I miss this place s2 )

Trote dos calouros 


Museu Oscar Niemeyer - Curitiba, Set/2014

Cervejada de recepção dos calouros
Escultura do Museu Oscar Niemeyer - Curitiba, Set/2014
Noite de matar aula pra comer pizza com os amiguxxxx
Paver do trote dos calouros - pagaram 20 reais por esse presentinho de grego hahaha 
Porão do busãoda viagem pra Curitiba - foi todo nosso!

Carta que jamais será lida.


Texto escrito na madrugada do dia 03 de Julho de 2014.

O que me invade agora já nem é mais a tristeza da perda ou a solidão por não te ter por perto. O que me dói mais é saber que me esforcei tanto pra fazer a gente dar certo, que não parei pra notar se você desejava o mesmo. Tuas palavras mentiram pra mim, tuas atitudes mentiram pra mim... Já tua decisão de se afastar foi certeira para que eu entendesse (ou pelo menos que deduzisse) quais eram as tuas reais intenções. E eu fico me questionando agora se o que foi dito ainda tem alguma validade e se o que ainda há pra ser dito terá alguma relevância. 

Nosso fim foi simplesmente pior do que o começo. Mais torto e atravessado e inesperado. Mas o intervalo... Esse ficará marcado, por inúmeras razões. Por todos os pontos positivos, pelas descobertas, pelo conhecimento adquirido, pelas decepções e principalmente pelos pontos negativos. Estar contigo foi uma escola pra mim, maior do que qualquer aprendizado que meus relacionamentos anteriores me trouxeram. 

Contigo eu aprendi que não basta ser boa para a pessoa, é preciso principalmente ser boa para si, para mim. Eu tentei de todas as formas cuidar de você, dos teus problemas, da sua felicidade, mas você me mostrou que não houve nenhuma relevância nisso. Que o fato de ter ou não te feito bem, de nada lhe vale. Até porque, suas atitudes de um mês atrás me dizem que você não precisa desse tipo de coisa, que isso lhe “sufoca”. Mas ainda assim, tudo bem. 

Aprendi também que nem sempre dar liberdade significa ser digna de confiança, ou ao menos deve ser isso que você pensou. Não houve um momento sequer que eu quisesse ter ousado lhe tirar a liberdade... Me deixei até ser trocada, em pleno sábado a noite, cujo teu lugar era na minha cama, por uma festa com seus amigos. Não fui a bruxa que te isolou e também não sei se consideraria ter sido. Mas ainda assim, você não confiou em mim o suficiente para se abrir e conversar comigo sobre os aspectos mais ínfimos de sua vida. E, ainda assim, tudo bem. 

Acho que seus defeitos deviam-me ser invisíveis, ou eu simplesmente devo ter aprendido a ignorá-los em favor da sua presença. Hoje questiono tal atitude. Se eu tivesse me feito ciente de toda a aura de problemas que te envolvia e que tu trazias, talvez estivesse mais consolada pelos rumos que toda essa complicação sentimental tomou. 

E ainda assim... é complicado saber o rumo que as coisas tomaram dentro de mim, porque te sinto vivo e latente nas minhas memórias e nos meus anseios. Te sinto presente em algumas conquistas e te desejo por perto nas pequenas derrotas de cada dia. E eu não sei o quão positivo isso será para mim, não sei qual é a lógica ou a finalidade de todo esse turbilhão de pensamentos doidos e situações hipotéticas que me surgiram. Eu já disse para algumas pessoas que nunca mais te quero do meu lado, por inúmeras razoes, por medo que os mesmos erros possam ser cometidos de novo por ti, ou por mim, enfim... mas ainda assim, te deixaria entrar de novo, pela porta da minha casa, do meu quarto e da minha mente, que enlouquece a cada vez que pensa em ti e que mesmo ciente de toda insanidade que isso representa, dá pulos ao te imaginar por perto outra vez.

sábado, janeiro 25, 2014

Filme da madrugada - "Educação" (An education)

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Tenho uma mania bem desagradável - ou talvez não - de assistir filmes de madrugada. Sou daquelas pessoas que têm uma dificuldade enorme pra dormer e por estudar a noite me sinto mais ativa nesse período. Portanto... adaptei quase todas as minhas necessidades/atividades para esse período do dia (ou período da noite, anyway). Essa madrugada eu decidi virar direto (ou seja, não dormir) porque meu metabolismo está bem louco, então, assisti dois filmes e um deles é o "Educação". 
Eu já o havia visto, em 2010. Lembro de ter gostado muito, mas não o tinha analisado com olhos mais críticos, lendo-o nas entrelinhas. Preciso dar essa segunda oportunidade para alguns outros filmes que vi na mesma época mas que não dei lá muita chance de ser considerado como bom. OK. Let's go.
Sinopse: Jenny Carey (Carey Mulligan) tem 16 anos e vive com a família no subúrbio londrino em 1961. Inteligente e bela, sofre com o tédio de seus dias de adolescente e aguarda impacientemente a chegada da vida adulta. Seus pais alimentam o sonho de que ela vá estudar em Oxford, mas a moça se vê atraída por um outro tipo de vida. Quando conhece David (Peter Sarsgaard), homem charmoso e cosmopolita de trinta e poucos anos, vê um mundo novo se abrir diante de si. Ele a leva a concertos de música clássica, a leilões de arte, e a faz descobrir o glamour da noite, deixando-a em um dilema entre a educação formal e o aprendizado da vida. (Adoro Cinema)
 
Se eu der alguns spoilers, me perdoem, é que eu meio que não sei resenhar sem falar da obra em si.


Educação trata-se de um drama, onde uma jovem londrina com alma francesa se vê presa numa vida entediante e padronizada, frequenta uma escolar rígida e se destaca como aluna, tirando notas excelentes em Literatura, mas padecendo no Latim, que é o único obstáculo no seu caminho no que diz respeito a admissão em Oxford, tão sonhada por seu pai Jack. Toca violoncelo em uma orquestra local e tem duas amigas que vão com ela para todo lado. Ela conhece David em um dia chuvoso, ele a dá carona até em casa e se mostra engraçado e prestativo. O pai de Jenny se encanta com David e com o quão bem relacionado ele é, e costumeiramente, David enrola Jack e leva Jenny para algumas "aventuras". A guria fica encantada com o que o mundo que David a apresenta pode oferecer. Jantares, bares, ocasiõs que ela jamais imaginou vivenciar e diante disso, começa a se desviar dos caminhos que antes seguia à risca. Jenny mata aulas, mente para os pais e deixa de se dedicar aos estudos para se tornar a "namorada" de David. Os fatos que ela descobre sobre ele são o que dão a sequência ao filme.


É interessante pensar em Jenny como uma adolescente dos dias de hoje (apesar de a ambientação do filme se dar em meados dos anos sessenta, acredito, os jovens não mudam tanto assim com o decorrer dos anos. Ou, pelo menos não os seus anseios) que só quer se ver livre das rédeas da família e ser adulta logo. Porém, por mais que ela seja até bastante madura para seus 16 anos, não soube como lidar com as escolhas que tem diante de si: seguir a educação de seus pais ou aproveitar os prazeres da vida? Jenny fez uma escolha ruim, contudo, pôde voltar atrás (com ajuda de sua professora de literature inglesa) e retomar sua vida do ponto que havia feito a má escolha. Jenny teve um bom fim, mas, é cinema, certo? E cinema nem sempre é realista nesses aspectos.


Os cenários são lindos, a fotografia do filme é de tirar o fõlego, a trilha sonora é bem legal e a escolha para o elenco foi bem interessante. Carey Mulligan recebeu um Oscar de melhor atriz por sua atuação em Educação e eu fiquei bem surpresa com Peter, que apesar de não se expresser tanto no filme chegando até a parecer meio bobão, diria eu (prefiro pensar que na verdade, o personagem dele é que era um bobão completo, você irá concordar comigo caso assista o filme) tem uma desenvoltura bem interessante.


(As imagens do post são desta resenha aqui, que, alias, é ótima! E aqui você encontra a lista da trilha sonora)

domingo, janeiro 19, 2014

Sobre os tropeços que a vida dá


As mãos que me acariciavam docemente as costas me provocando deliciosos arrepios e arrancando suspiros, faziam parte do conjunto corporal cujos olhos me encararam firmemente enquanto nossos peitos moviam-se verticalmente em um mesmo compasso. Agora, nos encontrávamos deitados lado a lado, vestindo pouco ou quase nada, momentos após nossos corpos terem nos proporcionado incríveis sensações. De olhos fechados, eu procurava admirar a lembrança daqueles instantes, quando seus olhos me encaravam com um fervor inquestionável, um desejo que fugia dos controles das nossas mãos. Aqueles negros olhos que escondem mais coisas do que eu jamais serei capaz de imaginar eram os mais profundos que eu já havia visto e que penetravam minha alma e acendiam em mim sentimentos impossíveis de serem verbalizados.

As noites eram curtas ao lado dele e nunca bastavam. Os dias, por sua vez, tinham a quantidade de um pequeno infinito de teimosos minutos que custavam a passar. A cada reencontro, a cada beijo de “olá”, ela se questionava sobre como é que haviam chegado a esse ponto, a essa intimidade e necessidade mútua dos carinhos e da presença um do outro.

Houve um tempo em que ela, Laura, não tinha tempo e nem cabeça para pensar em paixões como essa que agora vivia junto com Antônio. Ela julgava as aventuras românticas de natureza incerta como falhas e duvidosas, mas com ele, foi capaz de compreender que o bem-estar de se estar bem valia mais do que a consciência que pesava sobre si. Os valores que tanto cultivava tiveram de ser deixados de lado por alguns curtos momentos, de modo a fazê-la viver, no mais pleno sentido do verbo. Há muito ela não se aventurava, não cometia loucuras, se é que algum dia havia cometido alguma que valesse a pena ser ressaltada.

- Você sabe que somos efêmeros, não sabe? – a volatilidade da natureza de seus sentimentos era tema recorrente na mente de Laura, que desconfiava ser o único ser pensante da relação, a que procurava arriscar menos, apesar de querer se jogar de cabeça naquilo que lhe enlouquecia: o relacionamento com Antônio. 

- Somos? 

A falta de noção dele com relação à natureza da convivência romântica de ambos dava-lhe nos nervos. Ou ele era realmente ignorante ou tinha optado por ignorar a situação. Ela desconfiava da segunda hipótese. De bobo, o rapaz nada tinha.

- Sabes muito bem que sim. Não entendo o porquê de recusar-se a aceitar esse fato. 

- Laura, eu não me recuso a nada, não quando estou do seu lado. Simplesmente não vejo a menor necessidade de questionarmos os fatos, de alterar a ordem de uma expressão que está perfeita da forma que é. – Homens. Insistem em comparar sentimentos com ciências exatas. Será que vocês não poderiam, por favor, ser um pouco mais sensíveis às questões humanas e românticas da situação? 

- Eu não quero discutir, amor, não mesmo. Eu sempre faço isso... sempre penso demais, peso demais, comparo demais. – ela ponderou por alguns segundos, e acrescentou, de forma dramática – Eu realmente não entendo como é que você consegue gostar tanto da minha presença mesmo eu tendo esses surtos de consciência.

Surtos esses que eram realmente freqüentes, coisa que ela desejava que não fossem. Ela tinha absoluta ciência dos fatos e dos rumos que aqueles encontros furtivos iriam tomar, mas ainda assim, não fez nada para mudar. Deixou que a água passasse por baixo da ponte quando o que deveria ter feito era represá-la. Essas incoerências com sua conduta normal só a fazia questionar ainda mais seus valores e o que ela tinha se tornado. Uma qualquer? Uma “dessas”? Ela não desejava isso, de forma alguma, mas o momento de interromper aqueles encontros havia puramente desaparecido. Laura não conseguia imaginar esse diálogo, não sabia as palavras certas pra usar, nem o momento certo de pronunciá-las, portanto, tinha decidido que as coisas se manteriam como sempre foram e – possivelmente – sempre seriam, para seu total desgosto.

- Vem, deixa eu fazer carinho em você, te dar cafuné e lembranças felizes.

E com isso, ela se entregava. Não havia contra quem lutar ao não ser ela mesma. Mas aquela batalha já estava ganha e o vencedor declarado não era ela. Sua derrota estava estampada no sorriso em seu rosto: sim, eu vou para os teus braços, eu sempre vou.

O conforto daquele abraço não é coisa de gibi. O corpo dele era mais confortável e adaptado a ela do que o de qualquer outro jamais se aproximou de ser e isso a assustava, fazendo com que seus pesares voltassem à superfície da mente. Suas questões e seus valores estavam sempre ali, a espreita, prontos para emergirem quando qualquer brecha fosse aberta, para fazê-la enlouquecer com tantas dúvidas.

O intenso fluxo de pensamentos logo a fazia pegar no sono, a cadência da respiração dele era a melhor canção de ninar que ela já ouvira e se concentrar naqueles leves suspiros a fazia entrar em um mundo que só pertencia a ela: seus sonhos.

Especialmente naquela madrugada ao despertar com breve lampejo de suas responsabilidades, olhou no relógio para conferir o tempo que estivera fora do ar. Ela não se permitia dividir a cama com ele por uma noite inteira, ou então, as coisas fugiriam do seu controle. O marcador digital do relógio indicava 4:48 da manhã. Ela iria para casa, dormiria até as sete e meia e as nove precisaria estar em seu escritório, apresentável e exibindo uma postura digna do renome que carregava. O primeiro cliente estava agendado para as 9:15, com um caso de divórcio litigioso que exigiria dela grande concentração e poder de persuasão diante da corte.

Laura tomou cuidado para se desvencilhar dos braços dele sem causar barulhos ou movimentos bruscos demais. Sempre que Antônio despertava e a via juntando suas coisas, ela acabava por se atrasar. Ele havia despertado levemente e observava-a enquanto vestia o jeans e a camiseta da noite anterior. Permaneceu quieto e quando ela se virou para enviar-lhe um beijo com a ajuda das correntes de ar, notou o olhar incisivo dele. Um sorriso lhe saltou aos olhos por vê-lo com aquela cara de sono de quem havia tido uma noite maravilhosa e ela teve de se aproximar da cama para dar-lhe um bom dia mais condizente com seus sentimentos.

- Anseio pelo dia que você vai acordar do meu lado na metade da tarde. – ele sorriu e piscou demoradamente, tornando suas feições ainda mais suaves e doces.

Ela depositou um beijo em seus lábios e disse que a decisão cabia pura e tão somente a ele. Que as escolhas e o rumo que seu relacionamento tomaria era dele e só. Que em nada lhe cabia aquela decisão.

O cenho dele franziu em resposta. Toda aquela responsabilidade que ela sempre lhe incumbia o deixava catatônico. Ele sabia que, de fato, a decisão de estar com ela por um período mais apresentável de horas do que das nove da noite até, no máximo, as seis da manhã era de sua exclusiva alçada. Mas lhe faltava fôlego para decidir, para dialogar, sobrepesar, e, sobretudo, lhe faltava fôlego para permitir que uma pessoa que lhe fora cara por tanto tempo deixasse sua vida de modo tão brusco.

- Sei que é minha decisão. Mas, no auge da minha canalhice e do meu egoísmo, não consigo ficar sem nenhuma de vocês duas.

Aquilo sempre a ultrajava. E sua feição fazia o favor de expressar aquilo. No exato momento que ele iniciou a pronunciar a palavra “duas”, seus olhos verdes adquiriram uma profundidade quase odiosa.

Ela não se permitia sentir ódio pela terceira pessoa que havia sido imposta ao relacionamento dela com Antônio. E, aliás, se punia a cada bom momento com ele por saber que aqueles instantes não a pertenciam. A única coisa que ela levava daqueles encontros furtivos com seu amante era o sorriso que o próprio rosto estampava diante da lembrança da presença dele e do prazer que ele obtinha quando em sua companhia. O ódio que ela sentia, por sua vez, provinha da sua indiferença com o sentimento alheio. Ela se permitia ter culpa em algumas situações, mas não permitia que a culpa lhe inundasse e a fizesse tomar a decisão que precisava: causar o rompimento do seu romance com Antônio. Havia outra pessoa no jogo, outro vértice do triângulo amoroso em que ela estava envolvida, e ela não gostava da idéia de pensar em fazer alguém sofrer por sua culpa, de trair alguém ou de causar uma traição... mas já fazia um tempo desde que tomara a decisão de primar pela sua felicidade e não pela lógica do mundo lá fora.

Ele entendeu, de súbito, que havia pisado em ovos e que as palavras haviam excedido o limite do aceitável entre ambos. Tocar naquele assunto sempre a fazia congelar e ele sabia que naqueles momentos, a única coisa que Laura sentia por ele era repulsa.

- Eu... sinto muito. Sinto muito mesmo. Sei que tem coisas que não devo dizer, não devo verbalizar... – Antonio foi interrompido antes de terminar sua súplica por desculpas.

- Têm coisas que você nunca deveria ter feito, Antônio. Decisões que você nunca deveria ter tomado. Escolhas que nunca deveriam nem mesmo terem sido cogitadas, caso seu caráter fosse algo pelo menos próximo do considerado como “digno” ou “honesto”.

Quando tocada pelas palavras erradas, Laura tornava-se cruel. Essa habilidade nata havia feito-a ganhar muitas causas nos tribunais. Enquanto seus clientes eram acusados – ou mesmo quando ela precisava acusar alguém – haviam palavras que despertavam na jovem porém experiente advogada, uma espécie de válvula de auto-defesa e ela se tornava uma leoa defendendo suas crias. Esse instinto nunca a tinha decepcionado. Ela sabia que havia certas palavras que eram responsáveis por causar aquele efeito nela, mas jamais sabia desde quando aquele talento se tornara parte de quem ela era como profissional – e em situações como essa, como amante.

 Os olhos de Antônio estavam focados nela, arregalados, para se ser mais fiel aos fatos. Laura havia acionado nele uma espécie de ultraje, de espanto, e entendia as reações que viriam a seguir.

- Você me considera indigno ou desonesto, mas se esquece de que corrobora para as minhas traições, de que sem você, eu seria fiel à ela...

- Não Antônio, você não conseguiria ser fiel a ela nem que tivesse a ponta de uma espada posicionada contra o seu peito, simplesmente porque você não a ama o suficiente para permanecer do lado dela qualquer que seja a situação. Você sabe por que a trai, não sabe? Você trai a Manuela simplesmente porque não consegue lidar com o que o relacionamento de vocês se tornou. Você não consegue lidar com a monotonia. Não entende os motivos que fazem alguém querer permanecer por tanto tempo ao lado de uma pessoa só. Você não sabe distinguir um simples “trepar” com um ”fazer amor”, simplesmente porque você não consegue amar, não consegue... – a voz falhou, os olhos já marejados ferveram com uma raiva e uma paixão que a enlouqueciam e, por um breve momento, algumas lágrimas fugiram do seu controle e assumiram o poder que a gravidade lhes impunha, caindo com todo o peso que lhes cabia pelas maças do rosto de Laura – Você não consegue admitir que não é feliz ao lado dela, não mais. Que vocês se desgastaram com todo esse tempo... Você não quer “largar do osso” porque sabe que com ela tem sexo garantido, tem um status de relacionamento e alguém para levar pra casa nos feriados e apresentar pros teus pais como sendo sua namorada. Você sabe que é assim. – a voz embargada se tornou quase inaudível conforme as palavras foram lhe saindo da boca como uma cachoeira em seu volume máximo de água e quando ela se aproximou do fim de seu discurso, sua voz não passava de um sussurro choroso.

A essa altura, Antônio se encontrava sentado na beirada da cama, com os dedos permeando o cabelo e os cotovelos apoiados sobre os joelhos. Ele não soube o que dizer, mas imaginou que aquela cena toda poderia ter um fim se ele se levantasse dali e fosse até a porta do quarto para onde ela havia se dirigido quando percebeu o rumo que as coisas haviam tomado e a abraçasse.

Foi o que ele fez e, a principio, a reação dela foi exatamente a que ele imaginou. Laura o abraçou também, encostou a cabeça em seu peito e chorou.

Ele começou a murmurar palavras doces, como que para fazê-la parar de chorar, pedindo suavemente para que ela se acalmasse enquanto misturava tudo isso com pedidos de desculpa por ter provocado tudo aquilo.

O que ela fez logo em seguida foi que o surpreendeu.

Como que por mágica, ela se desvencilhou de seus braços, pegou seus pertences e em um giro de 180 graus, tomou frente à porta e saiu. Assim. Sem nada lhe dizer, sem aceitar os pedidos de desculpa dele ou mesmo dizer que voltaria a noite para que pudessem esclarecer as coisas. Laura simplesmente havia saído do recinto, levando consigo uma parte dele que nem mesmo ele tinha ciência da existência.

A dor da decisão que ela havia tomado durantes aqueles últimos momentos nos braços dele, causada pelas verdades que enfim ela tinha tido coragem de pronunciar, ia com ela porta afora. Aquele peso que ela havia adquirido a faria lembrar-se de todos os porquês de ter feito o que fez: de ter abandonado Antônio de uma vez por todas.

Seu Honda Civic a esperava em frente ao prédio em que ele morava. Entrou no carro e deixou que as lágrimas rolassem pelo seu rosto, ficando ali por mais tempo do que seria necessário.

Antônio a observava da janela de seu quarto, no quinto andar, notando no peito um sentimento de perda e uma intensa vontade de gritar, implorando para que ela voltasse para o quinto andar... para o quarto dele... para a vida dele. Mas, depois do que lhe pareceu serem apenas alguns minutos, ela deu partida e saiu dali, decidida a não mais voltar enquanto o estado civil e o caráter dele não estivessem bem resolvidos.

Ela tornou a pensar no que ele disse sobre ela também ser culpada sobre as traições dele e pela primeira vez, se permitiu sentir culpa, fazendo com que algo sem precedentes lhe tomasse o peito. Esforçou-se para manter os olhos limpos de lágrimas até que estivesse adentrando a garagem de seu próprio edifício, tentando assim evitar qualquer acidente ou problema. Porém, ao estacionar na vaga que lhe cabia, seus olhos começaram a arder novamente, dando indícios de que ela ainda era capaz de chorar antes de estar desidratada e delirante.

Tomou o elevador e pressionou o botão de seu andar por instinto, torcendo para ter acertado. Sentiu grande alívio quando o elevador parou e ao abrir as portas, viu que estava no seu andar. Foi até sua porta e a abriu, com mais empecilhos do que haveria encontrado em uma situação normal. Entrou, colocou as chaves no aparador de forma metódica, deixou a bolsa em cima do sofá sem nem se incomodar de tirar seu celular lá de dentro - ela não queria ser incomodada por o que quer que fosse, mensagens de texto ou ligações, de quem quer que fosse, mas em especial, dele. 

Tomou o cuidado de retirar o que lhe restava da maquiagem borrada e tirou a roupa que tinha usado para encontrar Antônio. Tinha o cheiro dele. Seu cardigã. Sua camiseta de algodão. Sua calça jeans. Seu corpo. Toda a sua mente se inebriou com aquele cheiro e ela se deixou levar por aquilo, apenas por um breve instante. Tornou a si quando entrou em baixo da água morna, livrando-se de qualquer traço de suor dele, qualquer resquício do cheiro daquele homem. Apenas por hoje, ela não precisava lembrar de tudo o que viveram (nem de hoje e nem dos demais dias).

A água trazia um calor que seu corpo agradecia. Suas mãos lavavam-lhe o corpo e a alma com sabonete líquido de orquídeas brancas e ela se focava somente na imagem de tão belas flores deixando um aroma dos deuses pelo seu corpo.

Passados alguns minutos, abandonou a ternura de seu banho e vestiu um pijama de algodão, que lhe traria uma dose extra de conforto e uma sensação de aconchego, de bem-estar. Seus lençóis claros traziam a lembrança do paraíso e ela se parabenizava mentalmente por estar conseguindo se distrair com coisas tão fúteis e randômicas, punindo-se simultaneamente por ser tão fútil e sem foco.

Aconchegou-se aos poucos e procurou relaxar seu corpo, parte por parte, mentalizando seus músculos e movendo esforços para não pensar em nada que não fosse aquilo. Quando sentiu-se relaxada o suficiente, virou para o lado, mirou o relógio: 6:32 da manhã. Uma hora de sono. Que ótimo!

7:49 da manhã. Atrasada. Puta que o pariu, literalmente!

Sua vontade de ir trabalhar era zero. Seu humor nem deveria ser mencionado. Mas mesmo assim, foi. Porque quando se é adulto algumas convenções devem ser respeitadas, e ir trabalhar a cada santo dia era essencial para o bom funcionamento da máquina mortífera que chamamos de sociedade. Seu cliente das 9:15, o caso da separação em caráter litigioso era a última coisa que ela queria àquelas alturas. O homem declarava que sua mulher o havia traído. "Sério, universo, é isso que você tem pra mim hoje?" Ela estava se esforçando, a autora admite, mas nada lhe favorecia. Cada palavra dita pelo cliente das 9:15 fazia com que ela se sentisse culpada pelo relacionamento estranho que tinha tido com Antônio. Ela podia visualizar Manuela no lugar do cliente, reclamando sobre seu marido que a traia desde que eram simples namorados.

Era tudo o que Laura precisava!

Ela não conseguiu assumir o caso. Disse para o cliente para que procurasse o Dr. Azevedo, seu colega de faculdade, especialista em casos do gênero e lhe pediu desculpas. Ela não seria capaz de lidar com algo daquela natureza, não nessa situação em que se encontrava.

Laura precisava admitir: Antônio a afetava deste tanto.

Ela permitiu que um cliente em potencial procurasse outro advogado simplesmente porque não conseguiria lidar com a realidade dos fatos que teria que defender. Seria um tanto hipócrita de sua parte acusar alguém de adultério perante os tribunais sendo que ela era o possível pivô de uma separação (menos dramática, ela esperava, caso esta fosse existir algum dia e caso fosse por responsabilidade dela).

Fato este que era bastante impossível, ela tinha que admitir. As “verdades” que ela havia dito a Antônio eram verdadeiramente isso, na mais ampla vastidão semântica: verdades. Inconscientemente, ela tinha ciência de que ele não moveria uma palha para alterar sua vidinha mais ou menos em qualquer aspecto que fosse. Comodismo o definia, mas era antítese nesse aspecto, uma vez que não suportava a monotonia do relacionamento com Manuela. Rapaz complicado esse Antônio.

Na hora do almoço ela recebeu uma mensagem de texto:
“Você vem aqui pra casa hoje a noite, não vem?”
Com muito lirismo, ela pensou: “que audácia!”. Respondeu no mesmo instante:
“Não.”
A resposta veio em alguns segundos:
“OK. Podemos nos encontrar em algum outro lugar pra conversar e colocar os pingos nos ‘is’ então?”
Não seria má ideia. Havia muitos ‘is’ que ela não tinha botado pingos entre eles.
“No Romero, às 21:00.”
Ele respondeu no ato:
“OK. Te espero. Beijos, linda.”
Galanteador ao extremo, mesmo em situações inoportunas. Tantos “OK” deveriam ser interpretados como conformismo? Ou será que ela deveria parar de interpretar as mensagens de texto, que pouco tinham a ser interpretadas, que não o que estava explícito? Essa mania de ver pelo em ovo ainda a faria meter os pés pelas mãos.

Expediente tranquilo, ela diria. Poucas pendências para serem resolvidas, questões relacionadas ao departamento jurídico da sua empresa, em maioria. As 17:00 ela já estava liberada. Passou em um salão de beleza que costumava frequentar, fez as unhas, pintou-as de vermelho, cortou um pouco as pontas dos cabelos e fez uma escova. Nenhuma superprodução, mas já apresentava uma melhora sutil no seu semblante de quem chorara na noite anterior.

As 19:45h ela entrou no elevador. Chegou ao seu apartamento, tomou um banho morno, lavou o rosto com um sabonete especial e o corpo com o sabonete líquido de orquídeas brancas e era capaz de sentir o aroma suave e a sensação suave que ele deixava em sua pele. Depois de poucos minutos, já estava enxuta e em frente ao seu closet, escolhendo algo simples, mas sexy para o jantar esclarecedor que teria dali a exatos 42 minutos. Optou por um vestido azul marinho, longo, que lhe caia suavemente sobre o corpo. Pouco decotado na frente, mas aberto na maioria das costas. Acho que essa era a medida exata de sensualidade para o momento. Sandálias de salto Anabela em um tom marfim, com poucos pontos de brilho, uma bolsa da mesma cor. Uma pulseira dourada, argolas nas orelhas. Maquiagem suave, mas notável. Olhou-se no espelho e admirou o resultado de suas escolhas. A feição que Laura exibia também era resultado de suas escolhas: uma serenidade perene de quem tinha certeza de seus atos e que não poderia ser dissuadida.

Chegou alguns minutos atrasada e teve dificuldade para estacionar. Era o horário de pico do Romero, e ela sabia disso. Não era que quisesse plateia para o espetáculo, apenas precisava de pessoas presentes para lembrar-lhe de não se exaltar, de não deixar que os fatos lhe fugissem do controle.

Ele estava em uma mesa um pouco mais reservada, ao fundo, com duas taças – uma cheia e outra vazia, a sua espera – na mesa. Ela sorriu e se sentou, evitando o beijo que ele quis lhe dar. Surpreso com a frieza das atitudes dela, ele notou que a noite seria de muita conversa.

- Como foi seu dia? – Ele questionou, fazendo uso convencional da função fática.

- Pouco proveitoso, e o seu? – disse ela, tomando cuidado de ser inexpressiva em suas palavras.

- Ah, normal, como sempre. – Antônio não sabia como levar aquela conversa, então, preferiu ir por um caminho mais fácil. – Vamos fazer o pedido já? O que você vai querer?

- Uma salada e um filé de peixe grelhado, por favor.

Ele chamou o maître e disse-lhe o que queriam.

A conversa foi superficial. Falaram do vinho, do movimento do restaurante, do trânsito para chegar até ali, e demais amenidades. Quando os pratos chegaram, jantaram em silêncio. Trouxeram a sobremesa – creme de papaya com licor de cássis – que eles comeram em silêncio também. Falaram mais algumas amenidades, sobre como o jantar estava delicioso e do sabor da sobremesa. Já eram 22:55 quando ele sugeriu pagar a conta e irem. Foi então que ela percebeu o que aconteceria depois, caso ela não tomasse coragem e dissesse o que planejou mentalmente durante todo o dia.

- Antônio, será que eu posso te dizer umas coisinhas antes de irmos? – um pequeno traço de indecisão cruzou seus olhos, mas a forte mulher que habitava naquele corpo não permitiria que esse pequenino porém lhe impedisse de dizer as coisas que ela precisava dizer.

Ele apenas assentiu, respirando profundamente, como quem diz “despeja logo tudo isso que te trava o peito”.

- Eu pensei muito durante todo o dia... pensei no que te disse essa manhã, no que nós somos, no que poderíamos ser, pensei mais do que achei ser capaz de pensar sobre um único assunto. E, bem, acho que cheguei a uma conclusão. Eu decidi que os nossos encontros findam hoje. Que esse jantar foi a última vez que nos vimos e compartilhamos algo enquanto “amantes” – pronunciou essa última palavra meio que entredentes, quase que com medo de que alguém a ouvisse. – Sinto muito por termos levado isso tão adiante, quando deveríamos ter parado logo no início, ou melhor... nem ter dado início a isso.

- Com isso você se refere a que, Laura? Ao nosso relacionamento? Acha que fomos tão pouco que podemos ser resumidos a “isso”?

- Acho, Antônio. Acho que fomos fracos e sucumbimos um ao outro, mas espero que possamos ser fortes e encarar toda essa situação com maturidade...

- Sim, maturidade. Mas não sei se sou bem eu que estou sendo imaturo, Laura. Acho que você está se precipitando, tomando decisões sem pesar direito os dois lados da moeda. Entendo que você esteja se sentindo mal pelo que vivemos, mas quero que saiba que tomei atitudes para mudar isso, porém, você tá claramente me descartando...

- Não, Antônio, é você quem sempre me descarta. Eu não gosto de me sentir limitada e contigo as coisas são sempre limitadas, sempre “até certo ponto”, sempre ocultas... eu não quero ter que lidar com isso o resto da minha vida, entende? Quero mais pra mim e é isso que eu estou fazendo quando te digo que não vamos mais ficar juntos: estou tentando extrair mais das minhas noites do que paixão. Estou me dispondo a buscar um companheiro pra vida, não apenas pra relações amorosas eventuais. Entende? Eu sou jovem ainda... tenho chance de encontrar uma pessoa legal e sei lá, ter uma família, quem sabe? Não... não me prive disso, por favor.

- E quem disse que não quero ser esse cara na sua vida? Que não quero ter família contigo? Poxa, Laura, estamos a mais de um ano compartilhando momentos e...

-Você tocou onde eu queria chegar. MAIS DE UM ANO. Você tem noção do que tá dizendo? Durante um ano eu fui cúmplice das tuas traições. Um ano, Antônio, que você deixa a Manuela em casa e me liga. Tá certo isso?

- Não importa se é certo ou não, importa é que somos nós, amor, sempre fomos nós, você sabe.

- Nós três. Eu e você e a Manuela.

- Ela não conta, amor, não mais...

- Não? Engraçado, porque achei que era com ela que você passava os natais e os réveillons na praia.

Ele se calou, sua expressão tomou ares de mistério, depois de culpa e então, se rendeu.

- Não preciso mais viver dessa forma, Antônio. Eu posso ter uma vida diferente, entende? Posso e quero! Não seja egoísta e me deixe ir, sem questionar mais nada, apenas ir, em frente, sabe?

- Laura, eu amo você e sabes muito bem disso. E é por isso que eu estou desse jeito, destruído por dentro por saber que não posso te fazer tão feliz quando tu mereces ser. Eu acabei me acomodando com a Manu, não sabia como desfazer esse vínculo, assim como não consigo quebrar a ligação que a gente tem e que vai muito além de cama, de sexo, de “trepadas” como você disse essa manhã. Contigo é amor, é sempre amor. Não é só pra satisfação física, é elevação emocional pra mim também, é comunhão espiritual, é muita coisa... menos puramente questões físicas. Eu te quero por perto porque fico melhor quando estou contigo. Entende? É confuso, é egoísta, mas é assim que eu vejo! Eu soube que isso aconteceria essa noite, então, comprei essa pulseira pra você... – uma caixinha quadrada de uns 10 centímetros de lateral apareceu em cima da mesa. Quando ele abriu, vi uma corrente curta, pouco maior que a circunferência de um punho, dourada com pérolas negras. – eu espero que você goste, use e lembre de mim. Esse presente é meu modo de dizer que te amei, mas que estou te deixando livre e me libertando também. Eu terminei com a Manu hoje à tarde. Chamei ela pra conversar lá em casa e disse que não podia levai aquilo adiante sendo que não a amava mais, que não me sentia mais próximo a ela. Achei que ela reagiria mal, mas ela foi condescendente, disse que já esperava por isso. Ela desejou sorte com a outra pessoa da minha vida, confessou que já sabia há um tempo, mas que não podia reagir a isso, pois também tinha outra pessoa pra suprir o vazio que eu deixava na vida dela. Enfim, eu estou resignado a tua decisão, mas quero que saiba e compreenda que estou saindo sem nada daqui hoje. Sem você, sem a Manu, que hoje descobri não ser minha já faz tempo, sem alguém que me ame. Consequência dos meus atos creio eu. Mas, Laura, eu te amo e quero o melhor pra você. Só... – um brilho diferente nos olhos, uma lágrima presa no cantinho externo dos cílios teimando em querer se ver livre daquela prisão começou a seguir rumo as bochechas – só lembra de mim com carinho, tá? E usa essa pulseira sempre que puder. Sério, você fica linda com joias escuras e pérolas te valorizam muito, meu amor.

A expressão que o rosto da impassível advogada exibia era de perplexidade total. Primeiro ele aparece com uma joia linda numa caixinha de grife, depois conta que terminou com a Manuela e ainda termina todo o monólogo falando que só deseja o melhor e que está deixando-a livre? Os nós da mente de Laura já estavam pra lá de apertados, emaranhados, enrolados e todos os demais adjetivos que possam ser aplicados à metáfora. Nesse meio tempo – curtíssimo meio tempo -, ele secou aquela teimosa pequena lágrima, pôs o guardanapo que jazia em seu colo em cima da mesa e se levantou. Dirigiu-se ao lado oposto da mesa, beijou a testa de Laura, em um ato pra lá de afetuoso, e começou a se afastar.

A mente dela parou. E recomeçou a pensar de um novo ponto, como se tivesse dado um “reset” em tudo o que havia pensado antes, e decidido, e proferido. A única coisa que ela foi capaz de dizer foi um “espere!” meio sufocado. Ele pareceu não ouvir, então, mais do que depressa, ela se levantou e se dirigiu para a saída, por onde ele havia passado alguns momentos atrás. Na frente do restaurante, ela viu o Azera dele parado, com os faróis acesos, prestes a disparar rua abaixo. Correu como pode – como seu vestido longo e suas sandálias de salto a permitiram. O alcançou quando ele dava partida no carro, bem a tempo.

- Você não pode me falar tudo o que falou e simplesmente sair assim! – ela gritou, socando o vidro do passageiro, esperando que ele abrisse.

E quando o fez, ela tentou se recompor, parecer digna do da carteirinha da OAB que possuía. Conseguiu. Ele respirou fundo e iniciou um novo monólogo.

- Eu não sei quanto mais eu consigo ouvir, Laura. Eu entendo que sou um cara horrível, um bígamo, pode até se dizer. Mas eu tentei fazer felizes as duas pessoas a quem eu amava. Uma delas, que ainda amo e que quase quebrou o vidro do meu carro, aliás. Mas não sei se obtive êxito, não sei se te fiz tão feliz e tão bem quanto eu imaginava. Não sei, também, o quão feliz a Manuela era, ou o quão decepcionada e frustrada eu a deixei. O que importa, é que enfim decidi que rumo tomar da minha vida. O fato é que – foi necessário que ele fizesse uma pausa breve para escolher as palavras corretas – a mulher que eu acabei escolhendo, não quer me escolher porque me acha pouco digno e de caráter duvidoso. Eu entendo e assumo algumas falhas da minha personalidade e se você quiser achar que sou o pior homem da face da Terra ou de todo o Universo, ok, não vou poder fazer nada além de tentar mudar sua concepção, me tornando o homem que você quer e precisa ter do seu lado. Não sei quanto tempo isso pode demorar, nem se vou conseguir fazer isso, mas por você, eu tento meu amor, tento de tudo pra te ter do meu lado por mais tempo, por mais noites e dias e finais de semana e feriados. Esse um ano e pouco que te tive na minha vida foram pouco, te quero mais e diferente do que te tive até agora... porém, sei que você não me acha merecedor de estar do teu lado. Então, estou deixando o caminho livre, o livro aberto e as próximas páginas em branco, pra você escrever da forma que quiser. Mas te deixo ainda te amando, e vou amar por muito tempo ainda, pode ter certeza.

Ela estava debruçada no carro, ouvindo tudo e chorando copiosamente, como se não soubesse onde desligar a torneira interna de seus olhos, como se as lágrimas fossem infinitas dentro de si. Ele sorriu e lhe enviou um beijo com a ajuda das correntes de ar, como ela costumava fazer sempre quando ia embora sorrateiramente e achava que ele ainda estava dormindo. Ela entendeu, e ficou ereta, desencostando-se do carro que seguiria rua abaixo apenas alguns segundos depois.

Laura entrou no seu próprio carro, com os olhos ardendo de tanto chorar e o rímel borrado até as bochechas. Recapitulou os fatos. Entendeu que, naquela noite, ela movera seus peões no tabuleiro, mas quem dera o cheque-mate, fora ele. Dirigiu até em casa, estacionou na garagem, subiu pelo elevador, abriu sua porta e desabou no sofá. Pegou o celular, era quase meia noite e ela tinha uma nova mensagem na caixa postal. Clicou para ouvir. A voz era velha conhecida sua:
“Amor, eu to dirigindo e falando ao telefone, violando as regras por você, como sempre fiz. Te deixei com o meu coração, espero que você cuide dele. Não sou nenhum Romeu e nem o melhor homem do mundo, mas te amo e espero que você saiba a decisão correta a tomar. Eu posso te fazer feliz, sendo só teu, ou pelo menos tentar. Mas você precisa permitir. Eu não estou mandando você ir, mas, caso achar que a gente ainda pode ser feliz junto, entra no teu carro e vai lá pra casa. Eu vou te esperar loucamente, Laura, angustiado sem saber da tua resposta. Vai, por mim, me deixa tentar... amo você, meu amor.” Você não possui mais nenhuma nova mensagem....
Ela desligou, pegou a bolsa como louca e trancou a porta atrás de si. Desceu o elevador com pressa, batendo os pés contra o piso para ver se o impulso fazia alguma diferença e a levava mais depressa até o subsolo. Saiu do elevador, abriu o carro e disparou rumo a casa dele.

Menos de dez minutos, quase um recorde.

Mais um elevador. Cinco andares. Mais batidinhas de pé. Uma porta de abrindo, uma campainha tocando, outra porta de abrindo e um sorriso enorme ao vê-la.

- Eu... eu não tinha certeza se você viria... eu achei que não mas eu esperava que sim... – lágrimas e uma mistura de beijos e carinhos, e abraços, e palavras afogadas em mais lágrimas, e sorrisos.

- Eu vim, eu amo você, e eu quero tentar. Mas você tem que me prometer que vai tentar também, que vai tentar ser fiel e que, se não for fiel, vai ser sincero e honesto, pelo menos, e me contar. Não vou conseguir suportar caso não for assim, Antônio, então me promete que vai tentar e que se não conseguir, vai ser honesto comigo, pelo menos, me promete, por favor. – o desespero e a necessidade da resposta dele estavam presentes a cada palavrinha que ela pronunciava.

- Eu vou, Laura, meu anjo, vou sim porque eu preciso de você por perto, preciso ter certeza que vou te ver de novo pra ter paz. E eu vou te ver de novo, não é? Todos os dias, de manhã e a noite, não vou? Me diz.... 

Meio sorrindo, meio afirmando, ela fez que sim com a cabeça, assentindo.

Naquela noite, ela dormiu ali. A noite toda. Não quis acordar de madrugada, pois sentiu que não precisava mais daquilo. Ela soube que se acordasse ali, ao lado dele, teria um sorriso e um abraço a esperando de manhã e eles fariam amor, porque ela agora sabia, tinha certeza... era amor.

Existem maus passos que se tornam corretos quando as atitudes necessárias são tomadas. Porém, é preciso que o impulso seja dado. De uma das partes, ou de ambas, como foi com Antônio e Laura. Mesmo que as forças sejam contrárias, e que cada um empurre em uma direção... haverá o movimento, a mudança e é essa a questão. Se algo não vai como deve, é preciso haver movimento, é preciso haver mudança. É bom que se saiba que ou bem se faz feliz uma pessoa só, ou acaba-se fazendo mal a si próprio e o pesar que uma coisa desse gênero pode trazer, afoga a alma em profunda confusão. Antônio e Laura geraram mudança e as decisões que decorreram disso lhes proporcionou alegrias intensas, assim como trouxe tristezas intensas também. Mas é disso que se trata a vida. Um ‘yng’ e ‘yang’ que dá ordem ao Cosmo, cargas opostas que se equilibram e proporcionam acontecimentos a todos. Casais não são formados por três pessoas e a utopia de que se pode levar isso adiante é exatamente o que é: uma utopia, uma distorção da realidade em favor de apenas um. O amor deve prevalecer, o mais forte deve ser levado em conta e se não me beneficiar, o que há de ser feito? Um adeus bem pronunciado é o que há de melhor para o momento.

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Adendo da autora: Esse conto representou muito pra mim. Foi escrito em partes, em madrugadas insones, onde a mente não se calava e a inspiração transbordava. Trata-se de um mix de experiências pessoais e boas leituras. Espero que gostem. (Lembrando que a escritora que habita em mim apenas descansa, em breves momentos, mas quando volta, sempre traz algo novo)