domingo, março 08, 2020

sobre os amores que chegam para ficar

Cecília acreditava em destino, em estrelas, em conjunções e sinastrias... Com o passar do tempo, passou a fazer questão de ser dona do próprio futuro, respeitando os dias astralmente mais favoráveis, sim, mas tendo iniciativas que a faziam ser a pessoa que põe a vida pra girar. Talvez nem sempre pelos meios mais corretos ou convencionais, e nem sempre com ânimo e força constantes, mas sempre sem desistir do propósito principal que é ser feliz!
Numa dessas fases de carência e baixa auto-estima, Cecília comete o mesmo deslize que já havia cometido várias vezes no passado. Faz download pela milésima vez do app mais mequetrefe de encontros que roda por toda a rede. E, num filtro bem seleto de idade e região, eis que ele surge. Kalil, 25 anos, via-se pelas fotos que era alto, mas não bastasse, ele ainda declarou seus 1,84m na bio, um currículo acadêmico e profissional de dar inveja e de despertar o interesse dela logo de cara. 
Desde o principio foi muito mais do que um  "oi, tudo bem? me passa seu whats". E disso, apesar dos hiatos que ocorreram durante este ano que decorreu desde o famigerado match, pelo menos uma admiração mútua brotou.

A menina sempre foi muito virtual. De criar laços, de se apaixonar e de cativar pessoas on line. Ela acreditava que tudo era proveniente do momento tecnológico em que vivia. As coisas realmente aconteciam on line. Parcerias de trabalho era,m feitas através das redes, famílias se descobriam através das mídias sociais e nos últimos anos, é como as marcas mais tem conseguido atingir o grande público. As redes sociais viraram sociedades reais... E Cecília entendia que era natural desenvolver paixões nesse meio. 
Ela sempre foi de cativar pessoas... Tinha O Pequeno Príncipe como livro de cabeceira e não era a toa. Cultivava cada uma de suas amizades como a Rosa do menino príncipe. Valorizava-às acima de quase tudo. 
Tendo esse jeito meio aluado, era fácil se apaixonar por ela, se deixar levar por suas doces palavras e por que não dizer, se iludir com seu carisma? Devo lhe dizer que ela sempre teve ciência disso. E lhe doía, mas não necessariamente sabia como mudar isso. 
Kalil em muito se assemelhava com ela. Amava o mundo com real afinco, já havia conhecido alguns países e morado fora para estudar. Ele tinha uma ampla visão do mundo, de uma realidade bastante diferente da dela, mas que não entrava em colapso com a realidade em que viviam. 
Ambos moravam na mesma cidade há alguns anos, mas nunca haviam se cruzado em nenhuma balada ou evento... A vida lhes reservou um momento exato para que se encontrassem. No momento que ambos soubessem o que querem e esperam da vida, do viver. 
No dia do match, nenhum dos dois estava na cidade em que viviam. Ambos passavam o fim de semana na casa de suas famílias. Não custou a quererem marcar um encontro... Mas Cecília, sempre tão hesitante, acabava por desistir na última hora, e o tal encontro nunca saiu. 
Viveram suas vidas por exato um ano, dividindo momentos, aplaudindo conquistas um do outro, sem nunca de fato terem trocado um olhar. Ela não achava o fato tão absurdo pois já havia vivido isso com outras pessoas. Mas pra ele, tão intenso, faltava a presença. Compreendia Cecília até certo ponto pois ambos viviam pelo mundo. Ela fazia viagens curtas... já ele chegava a ficar 3 meses fora trabalhando. (A menina não era de ficar falando disso, mas achava o máximo saber que seu crush estava do outro lado do mundo). Nesse ano em que estavam próximos, ele passou pelo menos seis meses fora, a trabalho. Visitou lugares incríveis e ela podia acompanhar pelas redes um pouquinho dessa realidade tão diferente da sua. 
Num desses dias em que a conversa fluia bem mais do que o habitual, ele lhe propôs algo bastante inusitado mas extremamente tentador. 

"Eu sei que eu tô exatamente do outro lado do mundo, mas se eu te comprar uma passagem pro começo da semana, você vem?"

Apesar de sua racionalidade extrema, Cecília não pode recusar. Não havia nenhuma amarra que a prendesse em casa. Seu trabalho era extremamente flexível e ela poderia fazê-lo mesmo a oceanos de distância. Na quinta feira mesmo, pouco depois de ele lhe propôr a viagem, ela já havia tirado sua mala do armário e começava a separar itens que seriam essenciais para sua estadia com ele por aproximadamente um mês, que era o período previsto para que Kalil retornasse. 
Ela nem pensou para lhe responder, aceitou de pronto, inebriada com a possibilidade de conhecê-lo e viver um amor fora dos padrões que estava acostumada. 
Kalil estava nos Emirados Árabes, trabalhava fazendo planejamento estratégico para uma grande multinacional. Tão jovem, tão bem sucedido, tão apaixonado pelo que fazia!
No domingo a tarde, a menina já saiu de sua cidade e foi para São Paulo. A passagem que Kalil comprara partia de Guarulhos, fazia uma escala em Londres e após 24h, chegava em Dubai. 
Ela sentia que não conseguiria dormir tamanha ansiedade. Assistira a três filmes ainda no primeiro vôo, dormira por pouco mais de três horas. Já no segundo trecho, a ansiedade era ainda maior. Mas o cansaço lhe fez dormir por pouco mais de quatro das sete horas de vôo. 
Ao chegar, não teve problemas com imigração. Sua compreensão razoável de inglês lhe livrava de problemas na maioria dos lugares que já visitara. Pegou sua mala e sentiu então, as borboletas lhe coçarem o estômago. Ela não achava que pudesse ser capaz daquilo, até que fez. E estava radiante em fazê-lo! Em quebrar alguns dos mais densos paradigmas da sua vida, de se livrar de questões que lhe rondavam a alma há tempos. Se sentia plena. Sentia a coceirinha da ansiedade, a dúvida da expectativa, a emoção do encontro. Sentia tanto! Euforia genuína. 
Não haviam combinado nada para o desembarque. Ela tinha o endereço do apart hotel onde ele estava hospedado, então seu plano era pegar um Uber e ir até lá. E, visto isso, imagine a surpresa da menina ao vê-lo esperando por ela, afastado da multidão mas extremamente visível para ela, com olhos treinados para suas feições. Ele segurava um girassol numa mão e uma plaquinha escrito "ruiva ♥" na outra. Não haviam dúvidas. Sua flor e sua característica mais marcante. Era ele. Cecília não esqueceria nunca do gesto... da surpresa clichê que lhe pegou em cheio e trouxe ainda mais brilho para o seu sorriso. 
Apressou o passo, não via a hora de poder abraçá-lo. Deixou de lado todas as suas vergonhas, as suas dúvidas, o cansaço das 24h de viagem, quase larga as bagagens pelo caminho para poder ser mais ágil em encontrar aquele abraço, inesperadamente desejado. Kalil veio ao seu encontro, a abraçou com todo o seu corpo, envolvendo-a numa atmosfera única e exclusivamente deles. 
Naquele momento, aquela pequena área podia entrar em guerra e eles não perceberiam. Não tinham noção do tamanho do que vinham cultivando e cativando um no outro.

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Esse texto não foi finalizado pois "Kalil" decepcionou a pequena "Cecília".
Tem história que termina exatamente aonde deve. Assim como esse conto, com palavras doces e boas lembranças. 

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