sexta-feira, abril 10, 2020

Sobre a matéria das nossas almas

"Seja qual for a matéria de que as nossas almas são feitas, a minha e a dele são iguais." (Emily Brontë, em 'O morro dos ventos uivantes')
É mais fácil ignorar a escuridão, do que abraça-la.  E eu confesso não ser tão corajosa. 
É mais fácil não pensar na tristeza, do que encarar o que entristece. Olhar a dor nos olhos. 
É mais fácil fingir plenitude, e ignorar toda a sensação de fracasso que brota do peito aos borbotões. 
Eu ignorei teu amor por anos, por sentir que tua dor era grande demais pra mim. Que teu fardo era pesado demais pra eu encarar. Que tuas feridas eram profundas demais pra mim. Eu ignorei as mesmas coisas em mim... minha dor, meu fardo, minhas feridas. 
Eu ignorei que sofri por anos e não olhei com carinho para essa dor. Eu senti uma insatisfação por todas essas centenas de dias que se passaram e não soube definir em que grau de frustração eles se encaixavam. Por não viver a vida que eu sonhei e mereci. Por não ter sido quem eu queria ser. Por ter me permitido acovardar em frente à todas as grandes mudanças que poderiam ter acontecido na minha vida. 
Eu queria ter podido ser transparente como tu és. Ter lidado com os meus lutos com coragem e ousadia, ao invés de guardar cada pequena porção de escuridão em minúsculas gavetas dentro do peito. 
Eu usei palavras boas e suaves em muitos momentos, quase que pra me fazer acreditar naquilo. Num positivismo tosco que Comte riria até que o ar lhe faltasse. Eu disfarcei minha raiva, e nas vezes que lhe permiti vazão, machuquei quem não merecia. Quando me calei, consenti para que fosse feito o que quisessem da minha vida. Eu me deixei ir por caminhos bem mais tortuosos do que deveria ter trilhado. E eu senti a dor disso tudo... no peito, calada, chorando com o rosto afundado no travesseiro em mais noites do que sou capaz de lembrar. 
Eu nunca soube como era o jeito certo de exteriorizar essa dor.
Até você aparecer e me mostrar, através da sua dor, que não é preciso guardar pra si. E, tentando curar a tua dor, eu encarei a minha. E busquei a minha cura. Olhei pra minha alma e vi pó de estrela. Vi brilho... Vi que a dor havia mantido isso intacto, a despeito da destruição. 
Eu olhei os meus anseios um a um. Percebi que o que esteve no passado, necessita ficar por lá. Que na dor, só se mexe para curar. 

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